São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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OMBUDSMAN

A posse

BERNARDO AJZENBERG

A cobertura da posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República não foi nenhum desastre, mas cabe comentar alguns aspectos jornalisticamente incômodos.
O primeiro é o clima de euforia e emotividade que tomou conta da maior parte da mídia.
Na TV, louvou-se tudo (gafes, discursos, quebras de protocolo). Exceção foi a Record -curiosamente ligada, via Igreja Universal, ao PL de José Alencar.
Os jornais não ficaram atrás. "O Globo" deu a seguinte manchete: "Povo segue Lula e testemunha o seu compromisso por mudanças". As do "Jornal do Brasil" e do "Estado de S.Paulo" foram palavras do presidente ("Nada impedirá que façamos as reformas" e "Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e com cuidado").
No noticiário, liam-se frases como "...um povo que queria vê-lo e tocá-lo, uma gente humilde cantando, pulando, dançando e gritando seu nome"; "um sol avermelhado... iluminou o presidente"; "indiferente à liturgia do cargo, Lula correspondeu às manifestações de alegria, afeto e companheirismo. Apertou dezenas de mãos, deu abraços, a muitos dedicou uma palavrinha de cumprimento".
Corretamente, a Folha não adotou esse tipo catártico de cobertura. Manchete ("Lula assume Presidência e pede "controle das ansiedades sociais'") e textos noticiosos foram contidos, menos emocionais. A intensidade e o calor da participação popular se evidenciaram nas fotos.
Ao noticiar a histórica e reveladora sequência de eventos marcados pela informalidade, detalhes simbólicos e ligeiros incidentes, porém, o jornal também cometeu pequenas gafes.
Informações díspares saíram, por exemplo, sobre quais ministros foram mais aplaudidos no ato de nomeação. Nada se publicou sobre o constrangido aperto de mãos entre Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso.
A bursite de Lula, "atuante" no dia, conforme os concorrentes, passou em branco. Idem para o significativo uso de uma Bic de plástico por alguns ministros na assinatura de nomeações.
Deixou a desejar, ainda, a repercussão do discurso do presidente no Congresso. Só políticos foram ouvidos; nada de empresários, banqueiros etc.
Ao comparar o total de pessoas presentes nas diversas posses presidenciais, o jornal informou que a de FHC em 1995 reuniu 10 mil num texto e 4.000 em outro.
Sobre isso, aliás, ficaremos sem dado confiável. Os números publicados foram de 70 mil, 110 mil, 150 mil ou 200 mil, conforme cada jornal. Se depender da mídia, os historiadores, no futuro, não terão, nesse quesito, nenhuma facilidade em suas pesquisas.



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