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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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OMBUDSMAN

Deu um branco

BERNARDO AJZENBERG

Ao repreender a ministra Benedita da Silva, por "erro administrativo", em entrevista a jornalistas de rádio quinta-feira, o presidente Lula usou o seguinte raciocínio: "...na medida em que manda um pedido de viagem para a Casa Civil, dizendo que era para um ato religioso, obviamente dá a vocês, a mim e a qualquer brasileiro o direito de perguntar: como é que pode alguém viajar para ir a um ato religioso?".
Ele se referia à ida da ministra da Assistência e Promoção Social a Buenos Aires (Argentina), em 24/9, para participar de um encontro evangélico.
Porém, o espanto indagativo a que até o presidente da República alude não chegou, surpreendentemente, à Folha -ao menos não como era de esperar.
O "furo" sobre a inusitada viagem da ministra (cuja agenda, segundo sua assessoria argumentaria mais tarde, compreendia também compromissos públicos) foi dado pelo "Globo", na edição de 25/9, com um título, na capa, contundente: "Erário pagará orações de Bené em Buenos Aires".
Baseou-se na publicação da autorização da viagem pelo "Diário Oficial" do dia anterior.
No dia seguinte (26), o mesmo jornal e o "Estado de S.Paulo" publicaram com destaque (até mesmo na Primeira Página) fotos da ministra a discursar no tal evento religioso, além de textos com declarações da oposição apontando o uso de dinheiro público para fins privados.
Até a última sexta-feira, o concorrente paulista da Folha continuou a publicar material a respeito do caso em mais quatro dias; o do Rio, em mais dois.
E a Folha, o que fez?
No dia 26, deu apenas uma "tripa" -texto de uma coluna, sem destaque maior, em página interna. Depois, nada. Só retomou o assunto na sexta (3), após uma semana, a partir da declaração do presidente e da decisão do Ministério Público Federal de apurar o ocorrido (aí, sim, com chamada na capa e manchete em página interna, além de duas notas na seção Painel).
Ora, o caso da viagem de Benedita pode não ser o escândalo do ano, mas também não deve evaporar, ao que tudo indica, como um acontecimento menor.
Ele diz respeito à perigosa abolição da fronteira entre público e privado por parte de um membro do governo -questão relevante que tantos escândalos rendeu na mídia, Folha à frente, no governo anterior, sob o impulso, muitas vezes, do próprio PT, ativo na oposição.
Além disso, guarda uma óbvia relação com a disputa política interna deflagrada no governo e no partido a poucos meses da reforma ministerial (José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil, já teria demonstrado o desejo de que a ministra deixe o posto).
Chama a atenção, assim, a timidez do jornal nessa cobertura. Ela contrasta com a desejável "marcação cerrada" que ele tem exibido na cobertura do governo Lula e que adotou, em casos semelhantes, sob a era FHC.
Dessa vez, parece, deu um branco no costumeiro senso crítico da Folha.


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