São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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O Pará é logo ali

A Folha noticiou, na quarta-feira, que a Vale do Rio Doce, cansada de "chantagem", cancelou a ajuda financeira de R$ 9 milhões que destinaria neste ano a índios do grupo Xicrin estabelecidos em terras próximas de Carajás, no sul do Pará. Carajás é a maior base de extração de minério de ferro da companhia. E a companhia é, desde 24 de outubro, quando comprou a canadense Inco por pelo menos US$ 13,2 bilhões, a segunda maior mineradora do mundo.
A chantagem a que a empresa se refere é a tática dos índios, insatisfeitos com o que recebem, de invadir Carajás -e isso já ocorreu diversas vezes- e paralisar a extração de minério. O conflito entre os índios e a Vale é antigo, e a Folha o acompanha com a pouca visibilidade editorial e com a irregularidade que caracteriza a cobertura da Amazônia, onde o jornal só tem um correspondente, em Manaus.
As informações sobre o contencioso entre índios e a mineradora saem de três fontes: a Vale, que tem sede no Rio e por isso geralmente é ouvida pela Sucursal na cidade, as lideranças indígenas e a Funai, que são ouvidas pelo Rio ou pela Agência Folha, por telefone. O jornal não considerou prioritário até agora enviar jornalistas para verificar in loco o que ocorre em Carajás.
Embora as reportagens tenham sempre contemplado os dois lados do conflito, vários pontos continuam obscuros. O primeiro é o caráter da ajuda. Segundo a Vale, citada pela Folha, é uma ajuda "voluntária" e não representa uma indenização aos grupos indígenas pelo uso do solo. No entendimento da Funai e das lideranças Xicrin, não se trata de ajuda, mas de direito garantido por decreto presidencial de 1997 que autoriza o uso da área em troca de "amparo às populações indígenas".
O outro ponto que as reportagens à distância não permitiu esclarecer é relativo à quantia destinada aos índios. Segundo as informações colhidas pela Folha na Vale, teriam sido R$ 6 milhões em 2005 e seriam R$ 9 milhões neste ano, agora suspensos. Segundo os índios, seriam R$ 4 milhões em 2006.
A ida de uma equipe permitiria observar diretamente o que está acontecendo neste conflito entre desiguais. Na guerra pela opinião pública, a Vale leva evidente vantagem pelo que representa nacionalmente, pela proximidade com os meios e pela força econômica expressa nos anúncios que se tornaram freqüentes nos jornais para se explicar.
O jornal dá evidências de que recupera a capacidade de investimento na Redação depois dos anos recentes de crise financeira. Os gastos nas eleições federais e estaduais deste ano e a presença mais freqüente nos países vizinhos -como agora, na assinatura do novo acordo entre a Petrobras e o governo da Bolívia- são indicadores desta melhora.
A Amazônia -onde o conjunto de conflitos agrários, indígenas e ambientais faz o enfrentamento entre a Vale e os Xicrin parecer um caso menor- deveria estar no topo das prioridades do jornal. É possível continuar cobrindo o Pará por telefone; mas não é possível fazê-lo bem.


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