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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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Chapéus e vinhetas

Não passou um dia desde segunda-feira sem que o "Painel do Leitor" (na página A3) publicasse uma ou mais cartas contra ou a favor da vinheta "Ataque do império", adotada no noticiário sobre a guerra.
Como observei na coluna de 23/3, a "marca" traduz a opinião contrária à guerra explicitada em editoriais da Folha. Não é, portanto, neutra -e a polêmica no "Painel" é prova disso.
Na terça-feira, em crítica interna, apontei como sendo própria de um "jornalismo de oposição" -o que é diferente de um jornalismo crítico e independente- a vinheta "Caindo na real", usada naquele dia no noticiário sobre o salário mínimo e as reformas previdenciária e tributária.
Mostrei como ela espelhava uma declaração de um líder tucano, oposicionista, que, na mesma edição, declarava que hoje o PT (no governo) "...enfrenta a realidade da vida".
De modo global, a direção do jornal avalia que esses "chapéus", usados para organizar a leitura, não precisam ser "burocráticos" (Previdência, Segurança, por exemplo).
Podem ser mais criativos ou até editorializados. Seria o único elemento da parte noticiosa que pode, eventualmente, ter conotação mais "opinativa", desde que seu conteúdo seja discutido com a Secretaria de Redação.
Quanto à criatividade, tenho total acordo. A editorialização de vinhetas (ou "chapéus"), porém, parece-me temerária: uma forma sutil e arbitrária de abrir frestas para inocular no noticiário um engajamento, uma predisposição, às vezes um cutucão ironicamente provocador.
Isso quando não se parte, simplesmente, para a gracinha inconveniente ou o mau gosto, como aconteceu com um célebre caso, em 1991: o uso da vinheta "Brisa de Itu" no noticiário sobre o trágico vendaval que, em outubro daquele ano, fez 15 mortos e 200 feridos na cidade do interior paulista onde "tudo é grande".
Dias depois, naquela ocasião, o mesmo "Painel do Leitor" publicou uma carta na qual cinco signatários classificavam o tal "chapéu" de grotesco, sórdido, leviano, "que não condiz com um jornal sério e responsável socialmente".
No caso presente, o diário espanhol "El País", para pegar um exemplo que não seja de concorrente local, usa a vinheta "Guerra no Iraque", e nem por isso deixa de ser reconhecido como contrário à política dos EUA, manifestando-se nessa linha em editoriais, e, ao mesmo tempo, como de ótima qualidade no seu noticiário.
No fundo, essa polêmica do "Painel" sobre o "Ataque do império", na semana passada, não põe em discussão apenas a opinião do jornal (de resto, absolutamente legítima), mas também, e principalmente, até que ponto cabe ou não contaminar com essa opinião, mesmo de modo subliminar ou limitado, um espaço considerado sagrado de equilíbrio e imparcialidade -qualidades essas que, deixe-se claro, não são sinônimo de burocratismo nem são incompatíveis com a graça saudável ou a criatividade.



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