São Paulo, domingo, 06 de maio de 2001

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Do furo à baixaria

Não foi a primeira vez, nem será provavelmente a última, em que um jornal começou bem um caso e o encerrou pessimamente.
No dia 16 de abril, a Folha deu um furo de reportagem expressivo: o casal Eduardo e Marta Suplicy estava desfeito. Foi uma nota na coluna política "Painel", que mereceu uma chamada discreta da capa do jornal.
Por que essa notícia era relevante? Porque se trata de duas figuras públicas por opção, com cargos importantes e pesos significativos na vida política do país e que, ainda por cima, sempre se apresentaram enquanto tal -como casal- abertamente.
"A vida privada só tem relevância jornalística", diz o Manual da Redação da Folha, "se estiver crucialmente ligada a fato de interesse ou de legítima curiosidade públicos". Está certo. Justificava-se, sim, a publicação do fato.
Nos dias seguintes, a imprensa "repercutiu" o acontecimento. Ilustrou-se com fotos o histórico de um casal cinematográfico, buscaram-se detalhes pessoais, motivações de toda ordem, especularam-se possíveis consequências políticas e partidárias.
Marta e Eduardo emitiram uma nota "curta e grossa", dando o assunto por encerrado, teoricamente, do ponto de vista deles. Até aí, com a possibilidade de um ou outro excesso, tudo bem.
O desfecho, catastrófico para a Folha, aconteceu no dia 21 de abril, quando o jornal ocupou um quarto de sua página A5 com um "informe publicitário" apócrifo que reproduzia notas do jornalista Cláudio Humberto publicadas no "Jornal de Brasília".
Nelas, o colunista, conhecido como ex-porta-voz do Planalto sob a Presidência de Fernando Collor, emitia juízos, insinuações e claro perfil denegridor, sem qualquer prova, daquele que seria, conforme seu texto, o "pivô da separação do casal Suplicy": Luis Favre, assessor do PT e da prefeita paulistana, franco-argentino residente em Paris. Também envolvia na história outros nomes e "revelava" detalhes picantes do suposto "affair".
Choveram reclamações na caixa-postal eletrônica do ombudsman. Sob o título "Anúncio", o Painel do Leitor publicou no dia 23 parte das 37 mensagens que recebeu sobre o assunto na semana seguinte. Todas de indignação e de repúdio ao anúncio e ao fato de o jornal tê-lo publicado. Marta e Eduardo também tiveram cartas suas reproduzidas na seção.
Ao pé de uma carta, dia 23, a seguinte Nota da Redação: "Material publicitário não é de responsabilidade editorial do veículo. A Folha evita censurar anúncios".

Ética e decepção
Cito, a seguir, trechos de alguns e-mails enviados ao ombudsman:
"Se "material publicitário não é de responsabilidade editorial do veículo", isso significa que qualquer um pode, desde que pague, publicar um manifesto nazista, racista, uma chamada ao armamento da sociedade etc?"
"Nossa preocupação é que, sob essa marota classificação, seja veiculada toda sorte de ofensas e agressões."
"A FSP publica qualquer coisa que um mal-intencionado queira publicar com evidentes fins políticos? Se eu tiver dinheiro para pagar anúncio e quiser ofender o sr. governador ou sua esposa, inventando que ela mantém relações íntimas com o jardineiro, vocês publicam?"
"É dever do jornal recusar publicação deste tipo."
"É lícito publicar este tipo de "informe publicitário", mas é legítimo? É ético publicá-lo sem explicar quem é o responsável?"
"Sou assinante da Folha há anos e não me recordo de ter-me sentido tão decepcionada com o jornal como venho me sentindo desde sábado último."
"Onde foi parar o bom senso? Onde foi parar o código de ética? Onde foi parar a elegância? O discernimento?... A Folha não poderia ter vetado o anúncio pelo seu conteúdo? Não passou por nenhum tipo de crivo?"
Esses leitores têm razão. É tradição, inclusive escrita, no jornal que "anúncios de caráter político ou contendo acusações criminais dependem de consulta prévia à Direção de Redação" ("Manual da Redação", edição de 92 atualizada até o ano passado).
O informe, portanto, poderia ter sido vetado, mas não foi. Desrespeitou-se, com isso, o verbete "publicidade" da própria edição atual (lançada em abril) do Manual, segundo o qual "o interesse do leitor, entretanto, tem sempre prioridade sobre qualquer outro, inclusive o do anunciante".
O tal informe atendia a tudo mas não ao interesse do leitor -ao menos o do leitor da Folha, com sua história e tradição.

Sugestão de Erramos
A direção do jornal, questionada pelo ombudsman, não concorda com a avaliação de que houve desrespeito ao manual. Informa, contudo, que "vai redobrar seus controles nessa questão".
Quanto ao fato de não ter publicado o nome da agência de publicidade responsável pelo anúncio, afirma a direção que ele "não constou do material original enviado para o jornal". E acrescenta: "a partir de agora, a Folha, em situações especiais, poderá publicar, com a devida autorização, o nome da agência responsável".
Opto por concluir este texto com a íntegra do e-mail de 23 de abril de outra leitora, a médica Maria Inês Reinert Azambuja, de Porto Alegre:
"Sugestão para um "Erramos" com relação à Nota da Redação publicada hoje em resposta às cartas sob o título "Anúncio": Onde se lê que material publicitário não é de responsabilidade editorial, leia-se "desculpem-nos da falha. A Folha lamenta ter cedido espaço publicitário para a publicação de propaganda enganosa e não ética e tomará as providências internas para que isto não mais se repita".



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