São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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OMBUDSMAN

Marcelo Beraba @ - ombudsman@uol.com.br

Promessas e promessas


Logo saberemos se o compromisso da mídia com valores como isenção, imparcialidade e apartidarismo é para valer ou é só marketing

HÁ UMA BOA disputa no ar. A TV Globo publicou, há dias, um anúncio de página dupla em que promete "isenção, transparência e compromisso com a verdade". O título da peça publicitária reproduz propositalmente um clichê eleitoral, "Eu prometo". A TV Bandeirantes respondeu com outro anúncio: "Eles prometem. A Band cumpre".
A Globo propagou que vai "fazer a maior cobertura jornalística que uma eleição já teve no Brasil". Segundo o anúncio, a rede vai mobilizar mais de 4.500 profissionais em todo o país para "revelar a notícia em primeira mão, estimular o debate e aproximar o Brasil da sua casa com reportagens especiais". A Band relacionou vários fatos políticos ocorridos a partir de 1979 em que considera que fez melhor cobertura que "eles" [referência à Globo não explicitada no anúncio] e, no final, foi bem sucinta: promete fazer "a cobertura mais precisa e imparcial da TV brasileira".
É um erro imaginar que as duas emissoras, separadas por um abismo de espectadores e faturamento, estejam, com estes anúncios, apenas disputando audiência. O principal objetivo é a disputa pelo bem mais precioso do jornalismo, a credibilidade. Para isso, as duas foram buscar palavras-chave como isenção, transparência, verdade, precisão, imparcialidade. Aí está o grande problema das empresas jornalísticas, e não apenas no Brasil. Não adianta volume de informação, não adianta exército de profissionais, não adianta liderança comercial sem credibilidade. E não há oportunidade melhor para tentar fixar a imagem de credibilidade do que durante as campanhas eleitorais ou ao longo das coberturas de crises políticas.

Normas de conduta
Não são só as duas emissoras que aproveitam o momento político e eleitoral para fixar uma imagem positiva através de anúncios institucionais ou comerciais. "O Globo" publicou, faz um mês, um anúncio para divulgar o seu "Estatuto das Eleições 2006", com normas internas que devem ser seguidas por seus profissionais para prestar informação "isenta e transparente". A íntegra do estatuto já tinha sido editada em forma de notícia uma semana antes.
A Folha está vendendo assinaturas com peças que fazem referências diretas à política: "Um jornal precisa ter muita credibilidade em um país onde acontecem tantas coisas difíceis de acreditar" e "Eles tentam varrer a sujeira pra debaixo do tapete, e a gente coloca em cima do seu capacho".
A TV Globo também criou, como "O Globo", normas internas que devem ser seguidas por seus funcionários, e há dois capítulos voltados para os profissionais da Central Globo de Jornalismo. São orientações que pretendem garantir "isenção" e "equilíbrio editorial" durante a cobertura. Até a Radiobrás, a empresa pública federal de radiodifusão, lançou um "Protocolo de compromisso com o cidadão" e um "Código de conduta" para o período eleitoral.

A boa cobertura
Os anúncios publicitários com promessas de coberturas isentas e a divulgação de normas de comportamento para as Redações são um bom sinal, independentemente dos objetivos comerciais que têm por trás. Logo saberemos se o compromisso público com valores como isenção, imparcialidade, apartidarismo, pluralismo é para valer ou é apenas marketing. E, tão importante, logo veremos se as megacoberturas anunciadas têm qualidade e senso crítico, se cumprirão de fato com a responsabilidade de bem informar e de ajudar a formar cidadãos com opinião própria.
O que temos assistido neste início de campanha eleitoral -principalmente nos telejornais, mas não apenas neles- são coberturas superficiais, dependentes das agendas dos candidatos e sem contextualização. Há uma sociedade inquieta que ainda não apareceu nas telas das TVs nem nas páginas dos jornais.
É provável que, com o desenrolar da campanha, os meios se debrucem sobre a história dos candidatos, avaliem as suas passagens pela administração pública, analisem os fracassos e os sucessos das políticas públicas implementadas nos últimos anos, aprofundem as discussões sobre os principais problemas nacionais e confrontem os programas e promessas dos candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais.
É o que se espera, assim como se espera um olhar inovador para uma cobertura sempre negligenciada, a do Legislativo (Senado, Câmara dos Deputados e Assembléias estaduais). A boa cobertura não será avaliada pelo número de quilômetros rodados, pela quantidade de jornalistas envolvidos ou pelo volume de papel impresso. Assim espero.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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