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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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OMBUDSMAN

Outro tempo

BERNARDO AJZENBERG

Na madrugada de quinta-feira, por volta das 3h, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a reforma tributária enviada pelo governo.
Não foi outro o destaque ao longo da manhã, da tarde e da noite de quinta nos telejornais, no sites noticiosos, na rádio, nos "mercados"; o jornal "O Globo" chegou a produzir uma edição impressa tardia, ainda na madrugada, registrando a notícia em manchete. No final do dia, não havia, em tese, quem não soubesse do ocorrido.
Qual foi a atitude dos principais jornais nas edições de sexta, já que não puderam (com exceção do "Globo") anunciar na própria quinta a aprovação? Procuraram destacar em suas capas a sequência, o "day after" da notícia (veja no quadro).
Mas a exceção, dessa vez, foi a Folha: subestimando a ampla irradiação e as consequências do fato ao longo de 24 horas, publicou uma manchete fria, defasada ("Governo aprova reforma tributária"), com uma foto de deputados da base aliada festejando a vitória.
Não por acaso, um colega comentou ter tido por instantes, ao pegar o jornal sexta de manhã, a sensação de estar com um exemplar do dia anterior (quinta).
Esse caso não mereceria estar nesta coluna não fosse o que, me parece, se insinua por trás dele: qual é o sentido, a utilidade do jornal impresso numa época em que as notícias se produzem em "tempo real", com velocidade, abundância e amplitude inimagináveis poucos anos atrás?
Não posso afirmar se foi esse o raciocínio da Folha, mas existe uma concepção, desde muitos anos, de que ao jornal cabe, dentre outras tarefas, a de ser o registro da História -mesmo em detrimento da "temperatura" de determinada manchete.
Válido no passado, esse princípio, porém, vem sendo repensado, por causa do avanço tecnológico e da complementaridade cada vez mais clara, aos olhos do consumidor, entre os diferentes meios de comunicação.
A sobrevivência do jornalismo impresso e a definição de seu futuro passam por essa revisão, e a sensação de "gelo" da capa de sexta da Folha expressa a necessidade de mudança.
O registro histórico já não fora feito, sob diversas formas, ao longo do dia anterior? A pertinência do jornal, na sexta, não estaria em apontar, desde a manchete, para algo além do já exaustivamente anunciado?
Cabe deixar claro que muito disso foi feito nas páginas internas (análises sobre as implicações da reforma, bastidores das negociações, por exemplo).
Mas a Primeira Página é a síntese do espírito do jornal, sua vitrine, seu farol. E, neste caso, a meio-facho, ela sinalizou que a Folha ainda tem muito a refletir sobre sua função aqui e agora, não no século passado.



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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
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Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.

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