São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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OMBUDSMAN

BBC e Cultura

BERNARDO AJZENBERG

Embora com algum atraso, devido às férias, e depois de tantos textos já publicados sobre o tema, vejo-me na obrigação de comentar ao menos um aspecto dentre tantos suscitados pela divulgação dos resultados do inquérito efetuado pela Justiça britânica sobre o suicídio do cientista David Kelly, as supostas responsabilidades da BBC, inculpada, e do governo de Tony Blair, inocentado.
As falhas técnicas cometidas pela rede de rádio e TV ao informar, em maio de 2003, que o dossiê sobre as supostas armas de destruição em massa iraquianas havia sido "apimentado" pelo governo parecem claras: não se ouviu o "outro lado", inflou-se a dimensão da fonte citada em "off" e forçou-se um tanto a barra nas afirmações dessa mesma fonte (mais tarde "vazada" à mídia pelo próprio governo como sendo Kelly).
Mas essas falhas, condenáveis, infelizmente são muito mais comuns do que se imagina. Quem acompanha atentamente a mídia encontra deslizes do mesmo gênero por toda parte, em assuntos mais ou menos relevantes, com desdobramentos maiores ou menores.
Além disso, se errou gravemente nos procedimentos, a peça jornalística em questão, conforme revelações das últimas semanas, acertou no principal.
Ocorre que, ali, houve um suicídio -um drama nacional- e que uma guerra surda já se havia instalado desde muito antes entre a BBC e o governo Blair, em especial a propósito da invasão do Iraque.
A "pisada de bola" da rede pública, naquele momento, caiu como uma luva para o primeiro-ministro tentar virar um jogo que se lhe configurava desfavorável perante a opinião pública, contexto no qual as afirmações do repórter Andrew Gilligan, em si, poderiam acrescentar tempero numa conjuntura cuja pauta acabaria por incluir até mesmo a queda de Blair.
Enquanto ele e seus ministros, a partir daí, foram implacáveis, profissionais, esmagadores -assim como o juiz lorde Brian Hutton-, a BBC embaraçou-se, padeceu de inapetência reativa.
Deduzir que esse embate político ameaça o jornalismo investigativo e a liberdade de imprensa na Grã-Bretanha e no mundo me parece certo exagero.
O que Blair visava, de imediato, mais do que docilizar a BBC (objetivo, digamos, de longo prazo), era sua própria sobrevivência no poder -daí o furor e a determinação de sua ofensiva.
A julgar pelas pesquisas mais recentes, nada garante que o governante irá vencer a guerra após a batalha vitoriosa.
A octogenária BBC, considerada a maior e mais influente rede de radiodifusão do mundo, sai do confronto com o rabo entre as pernas, mas, ao contrário do premiê, angaria, ainda, forte confiança dos britânicos.

Jornalismo público
Ainda sobre redes públicas -e voltando os olhos para o nosso pequeno quintal-, impõe-se dar atenção para o que a TV Cultura promete enfatizar a partir de amanhã em sua programação: "um jornalismo público independente do poder e do mercado", não para divertir, mas para "informar, explicar, esclarecer e criticar".
Os programas terão "erramos" e um apresentador fará questionamentos aos próprios colegas.
Segundo Marco Antonio Coelho, diretor de jornalismo da rede, com quem conversei, um manual (espécie de "guia de princípios", em sua primeira versão) deve começar a circular no fim deste mês e o objetivo é, também, instituir a figura de um crítico interno ("editor de qualidade"), além de, mais adiante, um ombudsman (com direito a inserção na grade da programação).
Nada mais bem-vindo, em especial num ano eleitoral.
A conferir.



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