São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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Notícia, promoção

Uma reportagem publicada na Ilustrada em 21/1 anunciava dois megaeventos de música eletrônica, um para março, no Rio, outro para setembro, em São Paulo. Ambos patrocinados pela multinacional de celulares Nokia, conforme o texto, dentro do projeto Nokia Trends, uma "série de eventos focados em atrações de ponta do universo da música de pista".
O texto, além disso, registrava a criação de um site, como "ferramenta de apoio aos eventos", e dava o endereço na internet.
Nada chama muito a atenção aí, a não ser que o texto era assinado por uma jornalista sócia de uma empresa que participou da criação do referido site e que é, justamente, a fornecedora do material jornalístico do mesmo.
A Folha, ao tomar conhecimento disso, por meio de uma pessoa de fora do jornal, decidiu suspender a colaboração da jornalista (free-lancer), por considerar que essa conjunção implicava um conflito de interesses, colocando em xeque a credibilidade do jornal.
O "Manual da Redação", com efeito, veta a todo jornalista "escrever sobre assuntos em que tenha interesses pessoais diretos".
Ouvida pelo ombudsman, a repórter, Cláudia Assef, cinco anos de Folha, ex-correspondente-bolsista em Paris, afirma que não ocultou deliberadamente do jornal a sua relação com a Nokia.
"Talvez tenha sido ingênua ao não dar atenção para isso", diz ela. "Se tivesse pensado mais, teria sugerido a inclusão dessa informação no pé do texto, para efeito de transparência. Mas nada disso mudaria o conteúdo do que escrevi e a importância das informações. Não tenho nenhum interesse pessoal direto nisso tudo".
O problema, num caso como esse, não diz respeito tanto ao que cada jornalista pensa sobre si mesmo. A questão é objetiva: como convencer o leitor da independência a respeito de um evento sendo parte integrante, de uma forma ou de outra, do mesmo? Como convencê-lo de que se está escrevendo pela notícia em si e não porque se tem laços com o fato divulgado?
Ao jornalista, não basta ser ético ou íntegro. É preciso, além disso, escancarar essa condição para o público, sempre. Pois a simples aparência de haver algum conflito de interesses já é mortal para a credibilidade.
Além de suspender a colaboração, a direção do jornal informa ter pedido "empenho" ao conjunto de editores no sentido de "redobrar esforço para checar se eventuais ligações pessoais e/ou profissionais dos colaboradores implicam conflito de interesses" e "evitar citações desnecessárias de patrocinadores em textos jornalísticos que podem resultar numa leitura promocional".
Medidas corretas que, a meu ver, deveriam ser renovadas periodicamente, não apenas como reação a fatos consumados.



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