São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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OMBUDSMAN

Reta final

BERNARDO AJZENBERG

Faltam só 28 dias para a eleição. Até agora, o resultado da corrida ao Planalto permanece imprevisível. A união desses dois elementos tende a tornar fatal, na reta final, qualquer tropeço dos candidatos.
Pois, ao aplicar esse mesmo raciocínio na avaliação do desempenho da cobertura jornalística da disputa, evidencia-se como é preocupante o que se viu na Folha semana passada.
Para um jornal que promete isenção no noticiário, os últimos dias -a apenas quatro semanas do pleito- registraram momentos infelizes, e não foram poucos.
Foi uma semana em que serristas somaram motivos para comemorar, enquanto lulistas e ciristas acabaram "maltratados".
Veja ao lado a sequência de manchetes de Eleições entre 30 de agosto e a sexta-feira (6/9). É fácil observar, no conjunto, qual candidato mereceu melhor tratamento.
Desse compasso anti-Ciro e anti-Lula, a edição mais expressiva saiu na quinta-feira. Alguns exemplos tirados dela:
1) Apesar do empate técnico entre Ciro e Serra, só Lula e o tucano tiveram imagens na capa do caderno, com um título sutilmente irônico ("Lula estreita laços com militares") em relação ao petista. A idéia (falsa, ao menos até as próximas pesquisas) de que já se consolida a polarização Lula-Serra, com Ciro fora do jogo, só poderia agradar à Grande Aliança;
2) O "rastreamento eleitoral" -pesquisa por telefone- mostrava subida de quatro pontos para Lula em intenções de voto, enquanto Ciro caía dois e Serra subia um. Mesmo sendo a do petista a única oscilação efetiva, acima da margem de erro de 3 pontos, o título da reportagem dizia: "Pesquisa já mostra Serra com 21% e Ciro com 20%";
3) Nesse dia saiu a gafe cometida pelo tucano em Recife, ao falar, em discurso, na sua própria reeleição ("Nossa meta é ter 100% das crianças de seis anos até o final de nosso primeiro manda..."). Posso queimar a língua, mas, no "clima" em que andaram as coisas na Folha nessa semana, não seria absurdo imaginar que um fora como esse, se cometido por Ciro ou por Lula, ganharia a capa do caderno e uma menção na do próprio jornal. No caso, a notícia recebeu duas colunas na parte inferior da pág. 3 de Eleições;
4) Na página seguinte, texto sobre evento com empresários trazia o título "Ciro recebe passagens e adesivos em jantar", em tom sutilmente depreciativo -ainda mais que, segundo a reportagem, também teriam ocorrido, no encontro, doações em dinheiro/cheque;
5) Até mesmo a charge "Grafite" (página 3) entrou na onda, com Ciro aparecendo atrás de Serra numa corrida de cavalos.
Caso exemplar também aconteceu na edição de sexta-feira, quando uma ida do presidenciável petista à Embraer recebeu o seguinte título: "Metalúrgicos protestam em visita de Lula".
A manifestação, organizada por um sindicato da CUT com forte influência do PSTU, reuniu 15 pessoas e uma placa, e nem teria sido vista pelo candidato. Merecia um registro? Sim. Mas não sua transformação em principal acontecimento da visita.
Ao noticiar quarta-feira a reprovação das contas da Força Sindical pela Corregedoria Geral da União (caso que envolve Paulinho, vice de Ciro), o jornal nada trouxe sobre as responsabilidades, ao que tudo indica, de grande porte, do Ministério do Trabalho no mesmo caso.

Caso Zeca
O episódio inaugural do ciclo pró-Serra foi a reportagem sobre supostos laços entre o governador Zeca do PT (MS), membros de seu estafe e uma quadrilha de ladrões de veículos, publicada domingo -mesmo dia do Datafolha que apontou o empate Serra-Ciro em segundo lugar.
Não caberiam no espaço desta coluna, hoje, as diversas questões de fundo que essa reportagem suscita -em especial a que se refere à forma como apurações do Ministério Público podem se combinar com a investigação jornalística.
Destaco aqui, apenas, dois aspectos da maneira como ela foi editada, que corroboram o diagnóstico da semana.
O título ("Elo de Zeca do PT com quadrilha é investigado"), por exemplo, forçava a barra.
Ao reproduzir dados de um relatório reservado de promotores de MS, o texto da reportagem explicitava não haver uma investigação formal em curso (a apuração original terminara em fevereiro) e que o tal elo não está provado.
Outro exemplo: a julgar pela extensa e detalhada carta do governador publicada, corretamente, na terça-feira, o pequeno "outro lado" de domingo havia sido apenas pro forma, um desmentido ligeiro e adjetivado, obtido às pressas -o teor da reportagem fora levado ao conhecimento do governo apenas na tarde de quinta, para uma edição que "fecha" sábado.
O que se pergunta é por que o jornal, num caso tão grave, com tantos dados e nomes envolvidos, não "segurou" um pouco mais a reportagem, a fim de oferecer a seu leitor algo mais consistente, que ao menos contemplasse devidamente a versão dos "acusados".
A Folha tem um capital de credibilidade acumulado a duras penas, ao longo de vários anos. Na reta final das eleições, ainda mais num quadro tão indefinido como o atual, tudo o que ela e seus leitores necessitam é que esse capital não seja abalroado.
Os exemplos aqui mencionados mostram que os riscos de isso acontecer existem, sim. Fechar os olhos para negá-los seria o pior caminho.



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