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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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OMBUDSMAN

Rumo à guerra

BERNARDO AJZENBERG

Nem mesmo George W. Bush pode garantir que haverá guerra, mas a probabilidade de que ela não ocorra é cada vez menor. Começou a contagem regressiva.
Cerca de 240 mil militares norte-americanos já estão, neste fim de semana, no golfo Pérsico e no Mediterrâneo.
Dentro dos EUA, boa parcela da população cobra das autoridades e da imprensa orientação sobre como se proteger de eventuais ataques não-convencionais. Acentuam-se os preparativos de defesa em Bagdá.
A China aderiu a França, Rússia e Alemanha contra uma ação imediata. A Turquia não cedeu aos EUA e, por enquanto, aguarda decisão do Conselho de Segurança da ONU.
Os inspetores de armas e a Agência Internacional de Energia Atômica pedem mais alguns meses para concluir seu trabalho. Apesar disso, aparentemente em crescente isolamento, EUA, com apoio de Reino Unido e Espanha, reiteram a disposição de atacar o Iraque, fixando uma data, sob a forma de ultimato:17 de março.
Esse é apenas um breve condensado da tensão e da efetiva preparação da guerra, em nível internacional.
Pergunto: você, leitor, sente estar suficientemente informado pela mídia, Folha inclusive, a respeito desse quadro e de suas implicações econômicas, políticas e geopolíticas imediatas, a médio e a longo prazo?
Consegue entender por que a França, a China, a Rússia e a Alemanha, à parte o discurso humanitário e pacifista, se opõem, aqui, aos EUA?
Quais são o significado, a motivação e as consequências da adesão chinesa à tese da antiinvasão imediata?
Qual tem sido o comportamento da mídia dos países diretamente envolvidos em relação ao posicionamento de seus governos?
Como está, hoje, o nível de mobilização internacional de entidades, protestos e manifestações contra a guerra?
Quais os cenários possíveis para o Brasil, política, diplomática e economicamente?

Precariedade
Minha impressão, quanto à Folha, é de que o jornal não se preparou devidamente para o que já está acontecendo -muito menos para fazer uma cobertura de qualidade da provável guerra. Não fosse assim, suas páginas já deveriam refletir esse esforço.
Não me refiro aos eventuais comentários de colunistas, aos editoriais, a artigos de fundo filosófico e cultural de intelectuais ou ensaístas publicados, por exemplo, no Mais!. Esses textos todos têm sua importância, é claro.
Preocupa-me, porém, o material oferecido ao leitor no dia-a-dia, na cobertura sistemática do assunto.
Em 18 dias, até sexta-feira, a editoria Mundo só publicou seis artigos de analistas e comentaristas especializados em geopolítica ou guerra -material diferenciado que permite ao leitor reflexão e orientação. O último, na sexta, era, na verdade, um editorial com a opinião do "New York Times".
Alguma mudança nisso começou a surgir apenas na edição de ontem, na qual o principal "investimento" é um texto de Paulo Coelho -que tem qualidades óbvias mas não é bem um especialista na área.
Curiosamente, aliás, outro material próprio sobre o tema que me vem à lembrança é a entrevista com o também escritor José Saramago, em 24/2; e hoje o britânico Martin Amis (mais um escritor!) opina a respeito.
Outro exemplo: só no dia 1 deste mês o jornal trouxe reportagem (do correspondente em Paris) sobre as motivações econômicas (leia-se petróleo) da França e da Rússia na discussão sobre a guerra, mas sem desdobramentos, depois, na cobertura.
O que tem prevalecido, nesse período, é uma excessiva dependência em relação às agências internacionais (elas são necessárias, indispensáveis, incontornáveis, mas não eximem um jornal de ter a sua agenda específica) e uma produção jornalística própria precária, quase inexistente.

Energia
Se a guerra estourar, mais uma vez o jornalismo estará em jogo -como ocorreu com o 11 de setembro, em 2001.
Agora, porém, o teste pode ser ainda mais amplo.
Não estará em xeque apenas, de novo, a sua capacidade de cobrir os acontecimentos com isenção, oferecer análises e prospecções -enfim, mostrar-se socialmente indispensável-, mas também a de resistir às pressões econômicas negativas derivadas do conflito, que certamente atingiriam a já combalida situação empresarial de grande parte dos grupos de comunicação.
As duas coisas, no fundo, estão totalmente ligadas.
Por ocasião dos atentados de 2001, a Folha demonstrou uma vontade jornalística vigorosa, capaz de gerar uma cobertura de ótima qualidade, apesar de todas as dificuldades.
Mesmo guardadas as proporções -a guerra, afinal, ainda não começou-, essa energia, a meu ver, não se manifestou, até agora, nos preparativos do iminente conflito.



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