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Ações afirmativas
Jornal tem o direito de se posicionar contra a Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, mas o noticiário tinha de ter mantido o equilíbrio
A FOLHA É CONTRA a Lei
de Cotas e o Estatuto da
Igualdade Racial. A Lei
de Cotas prevê a reserva de vagas nas universidades federais
para alunos oriundos de escolas públicas e para alunos negros e indígenas. E o estatuto
estabelece medidas obrigatórias e facultativas -em áreas
como educação, cultura, saúde, mercado de trabalho e
meios de comunicação- que
estimulem a igualdade racial.
Os dois projetos de lei tramitam há anos no Congresso
Nacional e entraram agora na
ordem do dia por conta de dois
manifestos, um a favor e outro
contra, tornados públicos nas
duas últimas semanas por intelectuais e militantes sociais.
A Folha é contra por considerar que o Estatuto da Igualdade Racial "promove um retrocesso ao definir os direitos
com base na tonalidade da pele". O jornal reconhece que
existem "distorções históricas" no tratamento que os negros recebem no Brasil, mas
acha que os dois projetos de
lei ferem "o princípio da igualdade de todos perante a lei" e
que a prioridade do governo
deveria ser garantir a educação fundamental e média pública, gratuita e de qualidade.
A opinião está expressa no
editorial "Discriminação oficial", publicado na quarta-feira, e em pelo menos dois outros editoriais editados neste
ano.
Até aí, tudo bem. Não só o
jornal tem o direito de se posicionar, como os seus eleitores
esperam que o faça. O problema é como o tema foi tratado
em outros espaços do jornal.
A Folha publicou, ao longo
do ano, dez artigos sobre o estatuto e sobre as cotas. Na seção "Tendências e Debates",
publicou três contra os projetos de ações afirmativas e três
a favor. O jogo desequilibra
com os quatro textos do colunista semanal Demétrio Magnoli, um dos signatários do
manifesto contra o estatuto e
as cotas. O jornal pode alegar
que o espaço que edita, "Tendências e Debates", manteve o
equilíbrio e que o colunista
tem todo o direito de expressar opinião. É certo. Assim como é certo também que o resultado final para o leitor é
que o jornal deu mais visibilidade para uma das posições.
Mas o caso mais grave ocorreu ao longo dos últimos dias.
Na quinta-feira, dia 29, o jornal publicou um artigo de
Magnoli ("A 5ª Internacional") e a íntegra do manifesto
"Todos têm direitos iguais na
República", assinado pelos
que são contra as cotas e o estatuto. Na segunda-feira, foi
divulgado o manifesto "Em favor da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial". O
novo documento recebeu, na
terça-feira, por parte do jornal, um tratamento equivocado, que afetou os princípios
jornalísticos do equilíbrio e do
pluralismo.
Os erros que cometeu:
1 - Não publicou a íntegra do
manifesto pró-cotas, como tinha feito com o texto que
coincidia com a opinião do
jornal.
2 - Não publicou os principais pontos do estatuto e da
Lei de Cotas para permitir que
o leitor tirasse suas próprias
conclusões.
3 - Deu um tratamento superficial aos manifestos, destacando não os principais argumentos de cada um, mas os
nomes que os assinam, o que
reforça a tendência de tratar
assuntos graves sem profundidade e de centrar o interesse
das coberturas em celebridades, e não em idéias.
Fiz estas observações na
Crítica Interna e concluí: "O
leitor da Folha está mal informado sobre um assunto difícil, que divide a sociedade e
que deverá ser definido em
breve no Congresso. O mínimo que o jornal pode fazer
agora é publicar a íntegra do
novo manifesto para que seus
leitores possam se informar e
tomar posição".
Na sexta-feira o jornal tentou corrigir os erros e equilibrar a cobertura. Publicou o
artigo de Abdias Nascimento
favorável às cotas ("Ação afirmativa: o debate como vitória"), uma reportagem sobre a
tramitação dos projetos no
Congresso ("Votação do estatuto racial fica para 2007"),
um quadro com um apanhado
das principais medidas previstas no estatuto e dois textos
que resumiam as posições antagônicas contidas nos dois
manifestos.
Mas não publicou a íntegra
do manifesto pró-estatuto e
cotas. E o leitor, se quiser, que
procure na internet.
A discussão sobre questões
raciais é sempre difícil. Mas
não é difícil fazer uma cobertura jornalística equilibrada e
pluralista, que não se deixe
contaminar pela opinião do
jornal. Basta vigilância e vontade.
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