São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ombudsman@uol.com.br

Fatos não respeitam feriados


Além da ausência de colunas e suplementos, o jornal sofre no feriado com o que parece falta de foco dos plantonistas

O LEITOR STEPAN Oglouyan sintetiza o sentimento de muitos outros a respeito das edições dos recentes feriados prolongados de Natal e Ano Novo.
"Creio que todos mereçam férias, inclusive jornalistas, mas não entendo como cadernos que não circulam todos os dias não possam ter suas matérias feitas com antecedência. Afinal, não dependem do noticiário atualizado. Custa deixarem matérias prontas para serem publicadas nas folgas dos jornalistas?"
Ele usa outro argumento quanto à "grossura" (ou melhor, "finura") do jornal nessa época: "Não é justamente nesses dias que gostaríamos e temos mais tempo de ler? Por acaso o jornal vem com desconto por não ter publicado tais cadernos?"
Não é só a falta de suplementos e colunas que reflete o clima de feriado na qualidade do jornal. Plantonistas parecem perder foco, diligência, tendem a fazer tudo depressa demais. E, embora a agenda diminua nos feriados, fatos não deixam de acontecer.
É um problema antigo nas Redações e de muito difícil solução. Mas alguma coisa precisa ser feita para evitar que esses problemas se repitam. O Carnaval e a Páscoa estão chegando, e a situação será a mesma. A cobertura do caso do atentado terrorista frustrado em avião que pousou em Detroit em 25 de dezembro é exemplar do resultado desse estado de espírito aparentemente distraído, relaxado, da Redação.
A manchete de Natal registrou "a maior vitória de Obama" em seu primeiro ano de governo nos EUA, a aprovação da ambicionada reforma do sistema de saúde do país.
No dia seguinte, a Folha não pôs na capa e deixou abaixo da dobra em página interna a notícia da quase tragédia, o que modificou o panorama político americano, sem que seu leitor fosse informado disso.
Só em 1º de janeiro saiu análise minimamente satisfatória vinculando a falha na segurança aérea com as perspectivas políticas de Obama. No dia 30, embora tenha três jornalistas sediados nos EUA, a Folha recorrera a um texto de jornal inglês para dar (mal) conta desse recado. E ficou praticamente por aí.
Até sexta, o leitor da Folha não tinha recebido uma boa explicação sobre como Obama saiu em férias forte como nunca desde a posse e voltou fragilizado para um ano de importantes eleições legislativas.
O tema correlato do Iêmen é outro exemplo dos efeitos ruins desse clima de meia máquina de feriadão. Declarações claramente pró-forma do governo daquele país sobre suas ações contra a Al Qaeda foram registradas sem nenhuma ponderação crítica, a qual só emergiu aos poucos nesta semana.
Embora jornais estrangeiros cujos direitos de reprodução a Folha detém tenham explorado bem as razões para a Al Qaeda ter forte base de operações no Iêmen, essas explicações não chegaram ao seu leitor.
O livro abaixo mostra como terroristas como o nigeriano de Detroit são formados. E o filme, como ações militares, similares à que Obama fez no Iêmen em dezembro, são usadas para desviar a atenção pública.

PARA LER
"Terror em Nome de Deus", de Jessica Stern, tradução de Marta Góes e Mário Góes, Barcarolla, 2004 (a partir de R$ 40,50)

PARA VER
"Mera Coincidência", de Barry Levinson, com Dustin Hoffman, 1997 (a partir de R$ 29,90)


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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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