São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

Próximo Texto | Índice

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ombudsman@uol.com.br

Juntar os cacos para fazer um mosaico


Após bom trabalho inicial sobre Lei Seca, o jornal despeja sobre o leitor dados que contradizem o que já foi publicado antes

UMA DAS VANTAGENS do jornalismo sobre a apuração em buscas na internet é a possibilidade de com ele o leitor obter informação organizada, estruturada, consolidada. Essa é uma missão básica do jornalista.
Quando o jornal se limita a divulgar dados que contradizem outros publicados antes e não esclarece as incoerências, ele se abstém de um dever essencial e deixa de aproveitar um dos mais importantes diferenciais que justificam sua existência e relevância.
Em dez meses poucos temas mobilizaram tanto a opinião pública quanto a Lei Seca no trânsito, regulamentada em junho de 2008.
Como tem sido infelizmente comum e tenho apontado neste espaço com frequência, a Folha pouco fez para municiar a sociedade com material para ela se posicionar e influir nas decisões durante a tramitação do projeto de lei.
Este jornal parece achar menos importante informar ao público sobre a agenda do Congresso do que noticiar cruzadas moralistas, fofocas e factoides.
Quando a lei entrou em vigor, ele fez um bom trabalho inicial. Encomendou pesquisa ao Datafolha, que comprovou imenso apoio popular à medida, publicou instigantes artigos a favor e contra, editou reportagens bem feitas sobre sua aplicação.
Quando começaram a aparecer conclusões sobre a eficiência da lei, seu comportamento passou a ser de despejá-las sobre o leitor mesmo que umas negassem as outras.
Cobrei insistentemente na crítica diária das edições que o jornal juntasse os cacos para compor um mosaico com sentido. A bem da justiça, ele fez isso na edição de 19 de janeiro deste ano.
Concluiu-se que existe um viés de resultados positivos atribuíveis à lei, mas a extensão dos benefícios é indefinida, que ela só tem impacto quando há fiscalização intensa e que ela não pode ser vista como solução milagrosa.
O problema é que mais quatro meses se passaram, novas pesquisas de fontes diversas voltaram a ser anunciadas e a Folha tornou a oferecer ao leitor seus resultados às vezes opostos entre si sem nada para evitar confusão.
A publicação periódica e isolada desses dados sem comprovação da acuidade científica e metodológica dos trabalhos que os geraram e sem fio norteador para dar coerência com o publicado antes só faz atrapalhar o leitor.
Não há dúvida sobre a relevância do tema. Ninguém pode aceitar que pessoas como o personagem de Nicolas Cage no filme indicado abaixo andem por aí colocando em risco a vida de outros. Os dois livros apontados abaixo mostram bem a gravidade do problema.
Mas não se pode tampouco aceitar como boas soluções que não sejam eficazes de fato. E ainda não se sabe se a Lei Seca no trânsito funciona mesmo.


PARA LER
"Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros"
, Ministério da Saúde, 2005 (disponível no site http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/impacto_violencia.pdf)

"A Mudança Cultural que Salva Vidas", de Fernando Moreira, Arquimedes Edições, 2008 (R$ 23, à venda pelo telefone 0/ xx/21/ 2524-7242)

PARA VER
"Despedida em Las Vegas"
, de Mike Figgis, com Nicolas Cage, 1995 (a partir de R$ 12,90)



Próximo Texto: Longa vida para a Folhinha
Índice


Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Carlos Eduardo Lins da Silva/ombudsman, ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue 0800 0159000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.