São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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OMBUDSMAN

Mágica de ACM

Virou lugar-comum dizer que o ex-senador Antonio Carlos Magalhães é figura que desperta ódios ou paixões, sem meio-termo. Isso talvez se justifique pela sua radicalidade verbal e comportamental.
O que não parece justificável, porém, é o espaço que a mídia deu nos últimos meses para o ex-parlamentar baiano -e, pior, continuou a dar depois de sua renúncia, de modo acrítico, sem questionamentos à altura do seu "trombone".
De novo, na última semana, o líder político frequentou, mais do que qualquer membro do "ministério do apagão", as páginas dos jornais.
Houve entrevistas na TV, repercussão ampla para acusações sem provas (a mais pesada, sem dúvida, sendo a feita contra o presidente da República, apontado como ladrão pelo seu ex-aliado).
Houve espaço, inclusive, para apreciações de cunho "psicológico" do ex-senador, que chamou o compositor Caetano Veloso de "egocêntrico". E por aí afora.

Peso eleitoral
Reconheça-se em ACM um talento midiático excepcional. De modo realista, porém, o que ele de fato representa que seja proporcional a essa difusão?
Em artigo publicado no "Correio Braziliense" no dia seguinte à renúncia, o cientista político Joviniano Neto trazia dados relevantes sobre o poderio eleitoral carlista na Bahia.
A última eleição a governador em que um candidato obteve maioria, na Bahia, foi a de 1986, na qual Waldir Pires, adversário do carlismo, ficou com o apoio de 55,5% dos votantes.
Quando ACM se elegeu, em 1990, foi com o correspondente a 27,3% do eleitorado. Nesse pleito, acrescenta o professor, o traço mais destacado foi que as abstenções, os votos brancos e os nulos representaram 46,2% dos eleitores. Em 1994 esse total subiu para 53%.
Afirma ainda o interessante artigo que, em 1998, o candidato do carlismo, César Borges, venceu com 30,5% do eleitorado, enquanto a soma de abstenções, brancos e nulos atingiu 56%.
O jornalista Clóvis Rossi, colunista da Folha, lembra, além disso, que ACM obteve a cadeira no Senado com pouco menos de 2 milhões de votos, em um eleitorado de pouco mais de 7 milhões (ou seja: 27,4%). "É um bom número", comenta Rossi, "mas daí a ser o "rei da Bahia", como o tratamos, vai a distância que separa jornalismo de propaganda".
Outro elemento: ACM perdeu muito cacife com a renúncia. É inegável que, hoje, quem representa o PFL não é ele.

Espetáculo vazio
Como político, por sua história e atuação no nível do poder durante décadas, por sua liderança regional, ACM deve ser ouvido, sim. Embora golpeado, não se enterrou politicamente.
Como qualquer outro cacique, tem direito, no jornal, a expor o seu "outro lado".
Mas tudo isso deveria acontecer dentro de seu verdadeiro e atual escopo.
Em vez disso, por que a mídia, a Folha inclusive, tem cedido tanto e tão visivelmente ao espetáculo vazio?
Especula-se sobre eventuais relações promíscuas entre ACM e setores do jornalismo. Pode ser verdade, mas isso ainda precisaria ser provado -como, aliás, as acusações feitas por ele contra adversários.
No caso da Folha, a única forma de resolver a questão é recolocar as coisas -no caso, o político ACM de hoje- no seu devido lugar.



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