São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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OMBUDSMAN

O peso do erro

BERNARDO AJZENBERG

Caminhamos em gelo fino. Qualquer notícia, ou falta dela, acaba sacudindo o mercado, que está muito receoso. Especialmente os investidores estrangeiros, que ainda não dão o benefício da dúvida ao PT.
O parágrafo acima foi formado com frases de "gente do mercado" publicadas na imprensa na quinta-feira. No dia anterior, uma reportagem do "Washington Post" registrava: "Os mercados financeiros internacionais ainda estão efetivamente apostando que o Brasil seguirá o caminho da Argentina, que deu um calote na sua dívida no início do ano e mergulhou numa profunda crise econômica. Tais previsões, quando feitas pelos mercados, têm a tendência sórdida de se transformar em profecias que se auto-realizam".
Pois foi esse clima de tensão e dúvidas que a Folha agitou ainda mais ao divulgar, na quarta-feira, uma informação com um erro crasso.
Numa nota de redação confusa e em muitos pontos obscura, a Prefeitura de São Paulo anunciara, em resumo, que em vez de amortizar uma parcela que vencia de sua dívida com a União, preferira adiá-la e assumir um aumento dos juros, conforme opção prevista no contrato de refinanciamento assinado com a União em 2000.
Na edição nacional, porém, um título na capa dizia: "Prefeitura de SP vai dar calote de R$ 3 bi na União". Na reportagem, o calote também aparecia.
Percebendo seu erro, o jornal trocou o título da capa ainda em parte da edição nacional. Mas a palavra "calote" -que implica ruptura de contrato- ficou no texto, para só sumir totalmente na edição SP/DF (veja o quadro acima). Um "Erramos" na edição nacional de quinta admitiu a falha.
Fosse a situação econômica e política do país menos tensa, talvez as consequências do erro não tivessem sido tão graves.
Uma entrevista à Folha na qual a prefeita paulistana falava no assunto, em 8 de abril de 2001, por exemplo, tinha como título "Marta dará calote de R$ 2,1 bi em 2002", sem que o uso da expressão, na época, tenha causado grande transtorno (não significa, claro, que um erro justifica outro erro).
O fato é que, na quarta, diante de um noticiário enviesado, o dólar, que caíra por cinco dias seguidos, subiu 3,83%; azedou-se o humor do mercado; e especulações negativas ressurgiram sobre a postura do futuro governo quanto a contratos em geral.
Esclarecido aquilo que se anunciou depois como um "mal-entendido", um "desencontro de informações", cabem pelo menos duas conclusões.
Primeiro: a Folha não soube interpretar tecnicamente a decisão. Tivesse consultado algum especialista em contas públicas, checado a informação a fundo com a Secretaria das Finanças, consultado seus próprios arquivos -ou seja, tivesse feito o básico de uma reportagem preocupada com a exatidão-, é lícito supor que teria dado um outro tratamento à notícia.
Não só evitaria o perigoso, delicado e sensacionalista uso da palavra calote, como deixaria claro que a medida adotada era opção prevista em contrato -o que não aconteceu em nenhum momento no jornal de quarta (inclusive na edição SP/DF).
Segundo: falharam os filtros internos de que o jornal dispõe para evitar que erros cometidos na origem da apuração jornalística perdurem até a impressão, ainda mais em matéria com presença na sua primeira página.
Não estamos falando de jornalismo ao vivo (rádio, TV) ou em tempo real (internet).
O "Manual da Redação" da Folha, é bom lembrar, recomenda "redobrada vigilância quanto à verificação prévia das informações, à precisão e inteireza dos relatos, à sustentação técnica das análises e à isenção necessária para assegurar o acesso do leitor aos diferentes pontos de vista suscitados pelos fatos".
É quando se caminha sobre gelo fino que a aplicação de uma referência como essa se torna ainda mais obrigatória.



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