São Paulo, domingo, 11 de julho de 2010

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O medo de ser "Notícias Populares"


Falta ao jornal criatividade para achar o que tirar de um caso como o de Bruno, além dos detalhes sórdidos


UM ESPORTISTA famoso envolve-se na morte da amante com quem teria um filho. O corpo dela pode ter sido jogado para rottweillers comerem. Durante a investigação, o jogador de futebol treina normalmente.
Aparecem sangue no carro e o possível executor do crime, um ex-policial. Resta o bebê de cinco meses, disputado pelo avô condenado por estupro de criança e pela avó que abandonou a filha.
O enredo, de fazer corar Stephen King, não sensibilizou suficientemente a Folha. O jornal entrou sem ânimo no caso -relatado primeiro pelo "O Dia", em 26 de junho-, não deu furos (informações exclusivas), publicou textos de pouca qualidade e não investiu em diferenciais.
Nem o personagem principal, um goleiro criado na pobreza e hoje capitão do time de maior torcida do país, mereceu um perfil bem feito.
O que mais precisava acontecer para o jornal abraçar a história? O jogador ser preso? Nem assim a Folha se comoveu. A cobertura só começou a crescer na sexta-feira -e sem brilhantismo.
Casos policiais são há muito tempo uma pedra no sapato dos jornais considerados de prestígio. Mesmo depois da rua Cuba, Daniela Perez, Suzane von Richthofen e Isabella Nardoni, persiste um medo atávico de se confundir com os jornais populares, do tipo "espreme sai sangue".
É muito raro, por exemplo, manchetar um crime. Recorre-se a um quadro no alto da capa, uma forma de destacar o assunto sem conferir-lhe a honra de ser a manchete. Dos grandes casos nos últimos 20 anos, só Isabella Nardoni foi o título principal da Folha, em abril de 2008.
O argumento contra manchetar crimes é que eles têm alcance limitado, são histórias trágicas, mas sem repercussão social. Só um exemplo contra essa tese: a morte de Daniela Perez gerou debate sobre penas que levou a mudança de legislação.
Outro medo constante -este justificável- é o de se confundir com as coberturas intensivas e condenatórias feitas por muitas televisões.
O goleiro, que no início era tratado com o benefício da dúvida, virou ao longo da semana o estereótipo do facínora, capaz de presenciar o extermínio da amante, cogitar matar o próprio (suposto) filho e depois beber com amigos.
A Folha não caiu nessa fórmula, mas pecou pela falta de investimento, contentou-se em publicar o que todo mundo já tinha visto no dia anterior na TV ou na internet.
A cobertura policial é um dos calcanhares de Aquiles do jornal. Faltam bons jornalistas na área -só ontem, 14 dias depois que o escândalo surgiu, uma repórter especial entrou na história.
Não se gasta tempo transformando relatos de delegados em tramas que deem vontade de ler. Não se usa a criatividade para descobrir o que dá para tirar de um caso como o de Bruno e Eliza, para além dos detalhes sórdidos.
Falta inventar uma maneira Folha de cobrir crimes. Afinal, o jornal que "não dá para não ler" tem que tratar bem história que "não dá para não ler".


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