São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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OMBUDSMAN

Fora do alvo

BERNARDO AJZENBERG

Do dia em que o Brasil foi pentacampeão até ontem, a Folha publicou 40 edições. Delas, nada menos do que 35 (ou 88%) versaram sobre economia.
Mais do que revelar uma fixação do jornal pelo tema, esse fato expressa a gravidade da situação econômica internacional -alimentada aqui, inclusive, pelas ansiedades eleitorais.
O assunto ganhou ainda mais presença na semana passada, com a finalização dos termos do novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
E o que se viu, na cobertura desse caso, foi que, apesar de seu sistemático acompanhamento do mundo financeiro -e embora se tenha saído menos mal do que a concorrência-, o jornal errou na maioria das tentativas de adiantar aos leitores o que se definia entre Brasil e FMI.
O problema, aqui, vai além da mera falha de previsão. Os valores e o formato do acordo têm relação direta com a dimensão da crise e com a intensidade da luz que se pode enxergar no fim do túnel. Expor números a respeito dele, portanto, é interferir de alguma forma na realidade; implica evidente responsabilidade.
O primeiro jornal a noticiar a articulação de um novo acerto com o Fundo foi o "Valor", em 5 de julho (veja o quadro). De lá para cá, os veículos entraram numa espécie de corrida maluca para ver quem revelava antes a forma e o recheio do doce.
Na edição de 27/7, por exemplo, a Folha afirmou que a intenção do Brasil era obter empréstimo entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões, com prazo de seis a 12 meses.
Na última quarta, informava que o FMI poderia oferecer de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões em novos recursos, num pacote que no total, com outras eventuais operações, chegaria a US$ 25 bilhões.
Pois, pelo divulgado no dia seguinte, só de recursos novos foram US$ 30 bilhões. Isso, sem falar em outros itens do acordo que saíram diferentes do trazido como provável pelo noticiário (prazos, superávit primário, rolagem ou não de dívidas preexistentes, redução do piso das reservas internacionais líquidas, por exemplo).
Registre-se que nem sempre foi assim. Nos acordos de 1998 e de 2001, a Folha saiu-se melhor.
Em 12 de novembro de 1998, por exemplo, uma reportagem estimava em US$ 42 bilhões o pacote então em gestação (dias antes, já se adiantara que poderia chegar a US$ 45 bilhões). O acordo, conforme noticiado em 14/11, totalizou US$ 41,5 bilhões.
No ano passado, texto de 1º de agosto calculava um saque entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões. O pacote, traz a edição de 4 de agosto, foi de US$ 15 bilhões.
Vinicius Torres Freire, editor de Dinheiro, admite ter havido imprecisão, mas avalia que a cobertura do recente acordo foi mais difícil do que as anteriores.
"Havia menos pessoas e instituições (portanto, possíveis fontes) envolvidas na negociação, e o acordo foi discutido e fechado em praticamente uma semana, contra dois meses em 98, por exemplo", explica.
As fontes do setor privado, acrescenta, não tinham desta vez mais informações do que os jornalistas.
Ademais, "tratava-se agora de uma negociação nova, a ser honrada por um novo governo que pode vir a ser de oposição" -o que multiplicou a incerteza do que poderia ser acertado.
Outra dificuldade, conforme Torres Freire: a "lei do silêncio" foi cumprida à risca por técnicos do Fundo e do governo.
Fazem sentido essas considerações. Acrescento, porém, que, em meio a tais barreiras, o clima de incertezas da disputa eleitoral, a tensão nos mercados e a pressão da concorrência entre os jornais parecem ter feito agigantar-se a normalmente enorme pressa dos jornalistas -crescendo, com ela, os riscos de se cometerem equívocos.
Na falta de informação totalmente confiável, é sempre melhor economizar papel e poupar tempo ao leitor, que, afinal, não tem nada a ver com isso.



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