São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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O mistério da foto a quatro mãos





É um direito dos leitores, que a ética deve preservar, conhecer a autoria verdadeira dos trabalhos jornalísticos

DESCOBRI-ME em apuros ao garimpar uma fotografia do incêndio no Hospital das Clínicas para a última coluna de 2007. Como as imagens eram fracas, em estética e informação, encomendei uma ilustração à editoria de Arte.
Na terça passada, a Folha revelou que um grupo de pesquisadores diagnosticou não ser de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) um quadro do Masp atribuído ao francês.
As fotos do HC publicadas pelo jornal em 26 de dezembro, que já não eram nenhuma pintura, exibiam idêntico problema: autoria duvidosa. A que saiu na primeira página ganhou o crédito "Oslaim Brito/Folha Imagem". Era igual à editada na mesma data pelo "Jornal da Tarde", do Grupo Estado, concorrente da Folha. No "JT", o autor era "Alberto Takaoka/AE/FotoRepórter".
Cotidiano imprimiu na capa a imagem de uma paciente carregada. Era parecidíssima com uma que saiu em "O Estado de S. Paulo". Nova incerteza: obra de Brito na Folha, de Takaoka no "Estado".
A Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de São Paulo (Arfoc-SP) resolveu investigar. Em 3 de janeiro, seu site cobrou os fotógrafos e emendou: "Cabem também explicações por parte dos jornais [Folha e "JT" sobre] como essa incrível "coincidência" ocorreu".
Leitores me alertaram. Recebi do editor de Fotografia de "Estado" e "JT", Juca Varella, cópia do seu relatório endereçado à Arfoc-SP. Demolidor com os repórteres fotográficos, Varella sustenta que Takaoka ("aspirante ingênuo") fez as fotos creditadas a Brito ("macaco velho ganancioso").
Ambos são free-lancers, sem contrato com os jornais. O primeiro teria topado ceder fotografias ao segundo. Para o editor, foram "cúmplices". Varella anexou uma espécie de certificado digital da foto mais controversa: sua origem é a máquina de Takaoka.
Telefonei para Oslaim Brito, que reconheceu não serem suas as fotos da primeira página da Folha e da capa de Cotidiano (uma saiu no "Agora", diário do Grupo Folha).
Ele colabora com o jornal desde 2004. Contou que chegou ao HC por volta das 23h40 do dia 24. Lá, Takaoka lhe teria presenteado com todas as suas fotos para vender à Folha com o "copyright" de Brito. Dia 25, contudo, o colega teria entregue algumas para o "Estado"/"JT" -uma duplicada.
"Nós tínhamos feito um acordo", diz Brito, que não identifica no expediente desonestidade intelectual ou ofensa ao direito autoral: "O leitor em geral não quer saber disso. Ele está preocupado com isso? (...) A nossa preocupação maior não foi o lance da ética".
Por e-mail, Takaoka narrou que estava no HC pelas 22h30. Na manhã seguinte, acompanhava a mulher, internada em outro hospital. Brito teria surgido e se "oferecido para enviar as fotos à mídia". "Em contrapartida, ele me pediu que lhe cedesse as vantagens de algumas imagens que seriam enviadas exclusivamente" a uma outra publicação. "Mostrei as imagens que eu iria utilizar e o deixei enviando-as de meu notebook."
Takaoka não nega ter topado que fotos suas ancorassem crédito alheio. O condenável seria Brito exagerar.
Brito diz que a editoria de Fotografia da Folha soube por ele da jogada logo após a publicação e se "chateou". O jornal só começou a apurar o fato com rigor anteontem, 16 dias depois do desastre.
A Secretaria de Redação afirma que a Folha "foi induzida ao erro pelo fotógrafo [Brito], que publicará a correção [hoje] e que ele não será mais colaborador do jornal".
O Grupo Estado, que não publicou crédito falso, foi muito mais ágil na investigação.
É direito dos leitores, que a ética deve preservar, conhecer a autoria verdadeira dos trabalhos jornalísticos.
"Esse caso é um grande retrocesso na luta para moralizar o direto autoral", lamenta o presidente da Arfoc-SP, Rubens Chiri. "O grande problema hoje é a impunidade."


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