São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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OMBUDSMAN

O anúncio que incomoda

MARCELO BERABA

As reclamações já vinham havia tempo. Mas aquela foi diferente. Enviada domingo passado por e-mail e assinada por Oscar Strauss Filho, a mensagem resume a irritação de vários leitores: "Levantei e esperei a chegada do meu jornal. Desensaquei o exemplar no caminho para a poltrona e de pronto arranquei e amassei aquele abominável meio encarte de propaganda. Infelizmente, a página A15 foi junto, e eu hoje não vou ler o artigo do sr. Josias de Souza".
O leitor se referia à edição da Folha de domingo, que vinha com a primeira página semicoberta por uma meia capa em papel brilhante com o anúncio de uma nova linha de alimentos para cachorros.
O recurso publicitário não é novo nem exclusivo da Folha. Quase todos os jornais o utilizam, e há bastante tempo. Embora incômodo, o leitor parece ter se acostumado, e são poucas as reclamações, quando é possível descartar o anúncio. Mas, quando a penúltima página do caderno traz reportagens ou coluna, como ocorreu no domingo passado e em várias outras ocasiões, os leitores se irritam. Eles não gostariam de se livrar da página com informações jornalísticas mas, ao mesmo tempo, não conseguem lê-la direito porque lhes escapa. "Como é desajeitado manusear o jornal com aquela meia primeira página", resumiu o leitor.
Antes de dar minha opinião sobre o caso, vou colocar algumas questões que considero importantes para reflexão.
Anúncio é renda. Os jornais têm duas fontes principais de sustentação: a venda de exemplares (em bancas ou através de assinaturas) e a publicidade (venda de anúncios e classificados). Essas receitas se eqüivalem. Se não houvesse publicidade, o preço do jornal seria absurdo.
Há uma disputa muito grande entre os diversos meios de comunicação pelas verbas publicitárias, e os jornais vêm perdendo terreno. Já tiveram uma participação de 28% no bolo publicitário (em 95). No ano passado, o percentual caiu para 18,6%, enquanto as verbas continuam a correr para as televisões, que concentram 60,4%. O resto do bolo está dividido entre revistas, rádios e outros veículos. A fonte é o Projeto Inter-Meios (www.projetointermeios.com.br).
Os jornais têm, portanto, que se mexer. Devem oferecer eficiência (de venda) e criatividade para os seus anunciantes.
Anúncio é informação. Pesquisa da Ipsos-Marplan (www.anj.org.br) encomendada por 16 diários, entre eles a Folha, mostrou que o índice de leitura de anúncios e classificados (74%) só perde para a primeira página (86%) e o noticiário local das cidades (85%). Realizada em julho de 2003 com 960 pessoas de 11 cidades que haviam lido jornais nos três meses anteriores, a pesquisa mostra que os jornais são mais usados que outros meios na decisão de compras porque permitem a comparação de preços e de características de produtos, principalmente de varejo.
Faz sentido, portanto, que anunciantes de produtos para animais de estimação ou de celulares procurem os jornais e que os jornais se desdobrem para agradá-los.
Mas e o leitor? Ele não recusa inovações ou anúncios criativos. O que o incomoda é qualquer coisa que dificulte a leitura do jornal. Nesses casos, reclama, e com toda a razão. O jornal tem de usar o bom senso nessas horas para conciliar os seus interesses com os dos anunciantes e, principalmente, os dos leitores.
O superintendente da Folha Antonio Manuel Teixeira Mendes explica que em várias ocasiões o jornal vetou a publicação de anúncios que deturpavam o projeto gráfico do jornal ou que atrapalhavam a sua leitura.
Em relação à sobrecapa, a secretária de Redação da Área de Edição da Folha, Suzana Singer, explicou que "existe um esforço do setor comercial, a pedido da Redação, para vender todas as páginas que fazem parte da sobrecapa". Foi o que aconteceu na edição de ontem, que trouxe anúncios de celulares e DVDs.
Teixeira Mendes confirma essa orientação da Redação: "A área comercial tem como política tentar colocar anúncios na contracapa e na página interna da sobrecapa, evitando assim problemas. Infelizmente, no domingo não foi possível. Há preocupação em ocupar a contracapa com anúncio".
O que se deduz dessas explicações é que o jornal deverá continuar a aceitar o anúncio que cobre parcialmente sua capa. E o nosso leitor, espero, voltará a ler a coluna do Josias de Souza.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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