São Paulo, domingo, 14 de novembro de 2004

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OMBUDSMAN

O anúncio impróprio

MARCELO BERABA

Enrico, de um ano e oito meses, é o personagem da capa da Folhinha do dia 6. Ele está fotografado parado, com os olhos para cima, atento aos movimentos de um pente e uma tesoura que ajeitam seu topete. A foto ilustra a reportagem principal do caderno: "Com que cabelo eu vou? Novos cortes e penteados fazem a cabeça das crianças em salões com muitas brincadeiras".
Na mesma capa, no terço inferior, há um anúncio. Uma mulher deitada de lado e sem blusa vende sandálias femininas. A foto mais insinua do que expõe, mas tem um claro objetivo de apelo erótico.
Nenhuma outra edição do suplemento infantil da Folha despertou, neste curto período em que exerço a função de ombudsman, tantas cartas e ligações -e todas de reprovação.
Duas leitoras reclamaram do tema escolhido para a capa. Uma delas considerou "um estímulo às futilidades, à vaidade desenfreada e sem sentido". E perguntou: "O que há na cabeça dos pais (e o jornal parece concordar com eles, já que lhes dá espaço), que permitem que crianças tão pequenas façam tintura no cabelo?".
Mas a reclamação principal foi sobre o anúncio. Reproduzo trechos da carta de Ana Claudia Peters Salgado que sintetizam o que outros leitores manifestaram: "Sou professora e mãe de dois meninos, de oito e sete anos. Meus filhos estudam em um colégio que estimula a leitura de jornais e, inclusive, sugere a Folhinha como o mais interessante e adequado à faixa etária deles. Acontece que, ao comprar a Folha no sábado [6], fiquei surpresa ao encontrar uma contradição: num dos cadernos [página C6 de Cotidiano] havia uma notícia sobre a condenação de Zequinha Barbosa [ex-atleta] por exploração sexual de menores; e, na primeira página da Folhinha, uma propaganda de uma sandália com uma foto de uma modelo adolescente e seminua. Fiquei em dúvida! Será que não estamos condenando com uma mão e instigando com outra? Precisamos mesmo vender sandálias infantis usando meninas seminuas? Se precisamos, não deveria essa foto estar em outro caderno que é mais lido por pais e Zequinhas? Se não precisamos, por que então ela está ali? Não resta dúvida que há maneiras e maneiras de lidarmos com as imagens e informações que nossos filhos vêem nos jornais. Mas os jornais não poderiam ser mais cuidadosos com os nossos jovens leitores?".
Poderiam e deveriam.

O erro da Folha
No caso, não resta dúvida de que a Folha errou ao publicar o anúncio na capa da Folhinha. O erro foi da área comercial, que aceitou o anúncio e não o submeteu à aprovação ou ao veto da Redação, como costuma acontecer nos casos de publicidade que possam trazer incômodo aos leitores.
Segundo Sylvia Colombo, editora do suplemento, o anúncio é "nitidamente impróprio à publicação num caderno voltado ao público infantil".
Quanto ao tema da capa, os novos cortes e penteados que estão na moda para as crianças, ela assim o justifica: "A Folhinha tem buscado aproximar os temas de suas capas a assuntos relativos à vida das crianças. Sem diminuir o espaço para reportagens de tom educativo e de estímulo à leitura, já tradicionais no caderno, buscamos introduzir assuntos que estão presentes no dia-a-dia. Daí a inclusão de pautas mais urbanas e relativas a consumo, que inegavelmente fazem parte do cotidiano das crianças. De maneira nenhuma a intenção é incentivar a "vaidade desenfreada", e sim tratar desses temas com algum humor, e de forma parcimoniosa".
A Folhinha de ontem deu dicas para as crianças fazerem pesquisas na internet, e o anúncio da moça sem blusa foi substituído por um com desenhos infantis.

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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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