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OMBUDSMAN
O anúncio impróprio
MARCELO BERABA
Enrico, de um ano e
oito meses, é o personagem da capa da Folhinha do dia 6. Ele está
fotografado parado, com
os olhos para cima, atento aos movimentos de
um pente e uma tesoura
que ajeitam seu topete. A
foto ilustra a reportagem
principal do caderno:
"Com que cabelo eu vou?
Novos cortes e penteados
fazem a cabeça das
crianças em salões com
muitas brincadeiras".
Na mesma capa, no
terço inferior, há um
anúncio. Uma mulher
deitada de lado e sem blusa vende sandálias femininas. A foto
mais insinua do que expõe, mas
tem um claro objetivo de apelo
erótico.
Nenhuma outra edição do suplemento infantil da Folha despertou, neste curto período em
que exerço a função de ombudsman, tantas cartas e ligações -e
todas de reprovação.
Duas leitoras reclamaram do
tema escolhido para a capa.
Uma delas considerou "um estímulo às futilidades, à vaidade
desenfreada e sem sentido". E
perguntou: "O que há na cabeça
dos pais (e o jornal parece concordar com eles, já que lhes dá
espaço), que permitem que
crianças tão pequenas façam
tintura no cabelo?".
Mas a reclamação principal foi
sobre o anúncio. Reproduzo trechos da carta de Ana Claudia
Peters Salgado que sintetizam o
que outros leitores manifestaram: "Sou professora e mãe de
dois meninos, de oito e sete anos.
Meus filhos estudam em um colégio que estimula a leitura de
jornais e, inclusive, sugere a Folhinha como o mais interessante
e adequado à faixa etária deles.
Acontece que, ao comprar a Folha no sábado [6], fiquei surpresa ao encontrar uma contradição: num dos cadernos [página
C6 de Cotidiano] havia uma notícia sobre a condenação de Zequinha Barbosa [ex-atleta] por
exploração sexual de menores; e,
na primeira página da Folhinha, uma propaganda de uma
sandália com uma foto de uma
modelo adolescente e seminua.
Fiquei em dúvida! Será que não
estamos condenando com uma
mão e instigando com outra?
Precisamos mesmo vender sandálias infantis usando meninas
seminuas? Se precisamos, não
deveria essa foto estar em outro
caderno que é mais lido por pais
e Zequinhas? Se não precisamos,
por que então ela está ali? Não
resta dúvida que há maneiras e
maneiras de lidarmos com as
imagens e informações que nossos filhos vêem nos jornais. Mas
os jornais não poderiam ser mais
cuidadosos com os nossos jovens
leitores?".
Poderiam e deveriam.
O erro da Folha
No caso, não resta dúvida de que a Folha errou
ao publicar o anúncio na
capa da Folhinha. O erro
foi da área comercial, que
aceitou o anúncio e não o
submeteu à aprovação ou
ao veto da Redação, como
costuma acontecer nos
casos de publicidade que
possam trazer incômodo
aos leitores.
Segundo Sylvia Colombo, editora do suplemento, o anúncio é "nitidamente impróprio à publicação
num caderno voltado ao público
infantil".
Quanto ao tema da capa, os
novos cortes e penteados que estão na moda para as crianças,
ela assim o justifica: "A Folhinha tem buscado aproximar os
temas de suas capas a assuntos
relativos à vida das crianças.
Sem diminuir o espaço para reportagens de tom educativo e de
estímulo à leitura, já tradicionais no caderno, buscamos introduzir assuntos que estão presentes no dia-a-dia. Daí a inclusão de pautas mais urbanas e relativas a consumo, que inegavelmente fazem parte do cotidiano
das crianças. De maneira nenhuma a intenção é incentivar a
"vaidade desenfreada", e sim tratar desses temas com algum humor, e de forma parcimoniosa".
A Folhinha de ontem deu
dicas para as crianças fazerem
pesquisas na internet, e o
anúncio da moça sem blusa foi
substituído por um com desenhos infantis.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
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