São Paulo, domingo, 15 de abril de 2001

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OMBUDSMAN

T.M.F., C.F. e E.F.

BERNARDO AJZENBERG

Na última terça-feira, por volta das 17h30, um bebê de 5 meses morreu depois de ter sido atirado pela mãe da sacada do terceiro andar de um edifício de classe média-alta no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Houve testemunha. A mãe, em estado de choque, foi internada em seguida no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde permanecia pelo menos até sexta-feira.
A notícia foi dada na internet pela Folha Online no dia do evento. Na quarta-feira, a Folha trouxe a reportagem (veja o fac-símile, acima), com crédito para o jornal "Agora", que correra atrás do caso.
Em minha crítica interna, coloquei duas observações:
1) o texto, ignorando o aspecto dramático da história, que inclusive se deu num meio social que é o de grande parte do leitorado da Folha, teve tratamento "absolutamente relatorial, frio, taquigráfico, burocrático";
2) "não dá para entender por que os nomes estão escondidos por trás de iniciais (seria por se tratar de classe "superior" e não de uma família de favelados?)".
O primeiro comentário se refere ao estilo, à falta de sensibilidade editorial para tratar de modo mais adequado acontecimentos como esse, merecedores de textos mais trabalhados, que dêem conta das particularidades do caso.
Mas é o segundo comentário que pretendo destacar nesta coluna. Ele diz respeito a um dos temas mais difíceis com os quais o jornalista é obrigado a lidar. Principalmente o jornalista dedicado à cobertura de casos ligados ao noticiário policial.
A decisão de não revelar os nomes -em especial o da mãe do bebê-, mesmo tendo sido estes já expostos na internet, foi tomada pelo editor responsável do "Agora", Nilson Camargo.
O que o levou a isso, segundo explicou ao ombudsman, foi a suposição de que sua divulgação poderia prejudicar a mãe -autora do crime-, que, ao que tudo indicava, sofria (ou sofre) de depressão pós-parto. Foi, portanto, uma decisão de caráter humanitário.
Talvez a maioria dos jornalistas, no calor do fechamento, tomasse a mesma decisão. Talvez a maioria dos leitores a aprove. Mas ela precisa ser discutida.
Por coincidência, no dia seguinte, os jornais, inclusive a Folha, traziam um outro drama, similar, só que ocorrido no bairro Cidade de Deus, em Osasco, envolvendo personagens de classe média-baixa.
Uma mulher, após disparar quatro tiros no ex-amante, tomou o filho de 8 anos como refém e, por fim, cometeu suicídio. Todos os nomes foram expostos -com exceção do da criança, o que responde a determinação legal. Ora, será que neste caso se pensou, na hora da edição, no impacto psicológico que tal exposição poderia causar ao pai da criança, ao ex-amante, aos tios dela?
Carlos Eduardo Lins da Silva, autor de trabalhos acadêmicos sobre jornalismo e diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor", costuma dizer, a respeito de ocorrências do gênero, que a posição humanitária é de procurar diminuir a dor de todos, e que quando o jornalista conhece pessoalmente ou se identifica (em termos sociais ou culturais) com os envolvidos fica ainda mais complicado expô-los ao sofrimento, à humilhação, aos desdobramentos do ato praticado. E acrescenta: mas é para isso que existe a profissão.

Tratamento igual
O tratamento deve ser igual para todos. Por mais polêmica e difícil que seja, por mais antipática que pareça essa posição, penso que o nome da mãe de Pinheiros deveria ser publicado.
Afinal, como ter certeza de que ela fez o que fez levada por uma depressão pós-parto? E mesmo que a Justiça assim conclua, a idéia de que a divulgação do nome poderia influenciar no tratamento médico parece insustentável, já que, internada, a pessoa em questão nem saberia como a imprensa está dando ou não está dando publicidade ao caso.
Faria sentido, a omissão do nome, caso tudo estivesse nebuloso, caso houvesse apenas suspeita de ato criminoso. Caso tudo estivesse baseado apenas numa acusação de terceiros a exigir comprovações. Mas não é assim.
Insisto: se a Justiça, após averiguação do acontecido, optar por essa ou aquela definição, em função da análise da causa do ato (distúrbio psicológico), será outra coisa. No entanto, à imprensa não cabe prejulgar, muito menos diferenciar cidadãos.
Fosse assim, com o objetivo de poupar os atores das tragédias pessoais dos estragos que estas causam, todo o noticiário de polícia dos jornais deveria omitir nomes e sobrenomes -o que carece de sentido e de viabilidade.
Se não pode ser assim, então, que haja a maior igualdade possível na composição editorial e jornalística de dramas tão terríveis como esses.


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