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São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003

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OMBUDSMAN

Biblioteca da salvação

BERNARDO AJZENBERG

A Folha e o "Globo" retomaram na semana passada a política adotada em meados da década de 1990 de estimular a venda dos jornais acoplando-lhes um "brinde" -no caso, uma coleção de 30 livros a preços, como se diz, convidativos.
Parece-me bizantina a discussão sobre se a iniciativa está certa ou errada -trata-se, afinal, de uma decisão empresarial legítima. Dos leitores vieram muitas críticas, mas também elogios.
O que merece reflexão, aqui, são as possíveis causas, a pertinência e a eficácia da iniciativa do ponto de vista institucional, além do modo como ela interferiu, até agora, na produção jornalística propriamente dita.
A venda dos principais jornais de circulação nacional do país vem caindo há cerca de sete anos, após o pico artificial entre 1994 e 1996 causado, justamente, pela política de "brindes" (atlas, dicionários, livros etc). Abordei o tema aqui no último dia 23/2.
Ocorre que neste ano a situação não melhorou -e é, aliás, lastimável que a mídia, ágil e pródiga ao fornecer notícias negativas sobre outros setores, mantenha um "silêncio ensurdecedor" quando o tema é sua própria saúde (ou a falta dela).
No primeiro quadrimestre, a Folha vendeu em média menos 7,4% do que no mesmo período de 2002; o "Estado de S.Paulo", menos 9,8%; e o "Globo", menos 5,6%. Em relação às médias anuais de 2002, as quedas foram de 6%, 5,9% e 3%.
Estima-se que, entre abril e o começo de junho, de 70 a 100 demissões de jornalistas ocorreram nas Redações da chamada grande imprensa - Folha inclusive.
No último domingo, os leitores souberam da extinção do TV Folha (parcialmente compensada com a reedição da Ilustrada aos domingos) e, hoje, é a vez da Folha Vale (edição regional para o Vale do Paraíba, em SP).
A situação é crítica e cobra ação. Mas seria o aumento da circulação via "brindes" -em que pese o mérito qualitativo da Biblioteca Folha- a melhor bóia de salvação?
Difícil responder, mas, como advogado dos leitores, observo os incômodos gerados pela maneira como a promoção tem sido encaminhada até agora.

Embaralhamento
Há um embaralhamento entre os textos jornalísticos normais e o material promocional da coleção que, até aqui, tem se dado em detrimento dos primeiros.
Domingo passado, a sobrecapa descartável que vendia a promoção embutia, num dos lados, material jornalístico (a coluna "No Planalto" e uma reportagem). É fácil supor que milhares de leitores, ao descartarem a sobrecapa, fizeram naturalmente o mesmo com esses textos.
Além disso, o amplo espaço editorial dedicado à coleção -até mesmo um caderno especial com textos assinados pela Redação- chamou a atenção de alguns leitores, para os quais, como é óbvio, tal espaço deveria estar voltado mais para notícias e reportagens, e não para a auto-promoção.
Consultada sobre esse ponto, a Direção de Redação enviou o seguinte comentário: "A Biblioteca Folha, pela importância literária dos livros que abrange e pela qualidade das traduções, tem um evidente interesse cultural. Não fosse por isso, a Folha teria noticiado a iniciativa, mas provavelmente não teria dedicado tanto espaço editorial a ela."
Some-se a isso a espécie de loteamento acertado entre o jornal e o "Globo" para as respectivas promoções, acordo que fez leitores da Folha de regiões importantes (RJ, ES e parte de MG, inclusive Belo Horizonte) deixarem de adquiri-la e comprarem o concorrente para ter o direito ao "brinde".
Um leitor de Juiz de Fora (MG) comenta que, assim, vê-se obrigado a "assumir uma posição quase semestral [a promoção vai até o fim do ano] de oposição a este conceituado jornal".
O lado operacional da campanha, aliás, foi objeto de uma "Errata" publicada pelo jornal na quarta, na qual admitia ter omitido de peças publicitárias (inclusive da sobrecapa do domingo) que a promoção não atingia, por parte da Folha, aquelas regiões -causa de e-mails de leitores, principalmente de MG e do RJ, enfurecidos, indignados, que viram aí, em suas próprias palavras, propaganda enganosa.
Se haverá em outros Estados ou regiões compensações para tais perdas imediatas localizadas, cabe esperar para ver. Em qualquer hipótese, o descontentamento de leitores como esse, de Juiz de Fora, não deixará de fazer todo sentido.
A experiência das promoções da década passada mostrou retenção marginal, residual de leitores após a explosão das vendas, como já abordei na coluna de 23/2 -justamente porque a atração não era o jornal, mas sim os penduricalhos. Agora, nada indica que será diferente.
Reportagem da Folha, na quarta-feira, revelou que, com a distribuição gratuita de "Lolita", as vendas subiram 140% no último domingo. Era de esperar.
Cético, um leitor mandou a seguinte mensagem: "É um sinal de que as pessoas compraram o livro e não o jornal. Comercialmente, um sucesso. Mas, para o "ego" do jornal, um desastre".
Vejo um pouco de exagero nessa afirmação, mas à luz da experiência passada, ela, no mínimo, dá o que pensar.


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