São Paulo, domingo, 15 de julho de 2001

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OMBUDSMAN

A oscilação das NRs

BERNARDO AJZENBERG

É frequente, entre os leitores, a queixa de que a seção Painel do Leitor, sempre à página A3, espaço nobre, vive ocupada por políticos, empresários e autoridades em geral.
Já foi sugerido, inclusive, que a Folha tenha duas seções: uma para os leitores "comuns" -razão de ser da imprensa- exporem seus pontos de vista, outra para as eventuais contestações de pessoas diretamente envolvidas no noticiário. Tal desdobramento nunca foi adotado.
Há, porém, outro elemento ligado à seção -embora não somente a ela-, pouco lembrado mas nem por isso desimportante.
São as Notas da Redação, acopladas ao pé de algumas cartas como uma forma de o jornal se posicionar, quando acha necessário, com relação a elas.
O "Manual da Redação" contém verbete específico a esse respeito. Ele afirma:
"Alguns textos que a Folha recebe e reproduz podem exigir um esclarecimento na forma de Nota da Redação. Caso um jornalista da Folha seja criticado ou contestado em texto publicado, ele pode, após consulta à Direção de Redação, responder. A resposta aparece sob o título Resposta do jornalista Fulano de Tal, na mesma formatação de Nota da Redação".
As NRs (como são chamadas internamente) podem aparecer também ao pé de reportagens, sempre que o jornal considere necessário rebater de imediato algo que o texto contenha.

Metralhadora
Acontece que nem sempre essas NRs refletem ao pé da letra o que o citado verbete prevê. Não raro se afastam demasiadamente daquilo que deveria ser um "esclarecimento".
Isso aconteceu, por exemplo, na edição da última quarta-feira, a propósito de uma (longa) carta assinada pelo presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira.
O missivista reclamava da reportagem "O contrato "muy amigo" da CBF", de 8 de julho, segundo a qual a MB Consultoria, empresa de um amigo de Teixeira, "tocou" a transação (já então praticamente concluída) entre a CBF e a AmBev, devendo receber pelo serviço uma comissão de US$ 8 milhões.
Algumas queixas, em resumo:
1) a partir de documentos reais, o texto fazia a "ilação gravíssima" de que "...os documentos reforçam a suspeita de que a MB atue como laranja, ajudando a desviar dinheiro para Teixeira". Suspeita de quem?, pergunta Teixeira, entre outras interrogações. Se é apenas dos jornalistas, então dever-se-ia (nota do ombudsman: aproveito aqui para corrigir a ausência da mesóclise em uso que fiz na semana passada desse mesmo verbo, quando erradamente escrevi "deveria-se...") investigar primeiro, para depois publicar, ele argumenta;
2) seu espaço para o "outro lado" foi mínimo em relação ao tamanho ocupado pelo conjunto da reportagem;
3) o repórter que o entrevistou (por meio de seu assessor de imprensa) não informou que publicaria a "suspeita" de que ele (Teixeira) estaria a se beneficiar pessoalmente de recursos da AmBev, tirando-lhe, portanto, a chance de se defender.
Apesar de outras queixas (não relatadas aqui por economia de espaço) terem sido retrucadas devidamente em nota no Painel do Leitor pelos jornalistas que assinavam a reportagem, das que resumi aqui apenas a primeira recebeu resposta.
Também em resumo: as suspeitas, diz a resposta, são de senadores da CPI do Futebol, "como a reportagem informou".
Ao final, em vez de rebater aos outros dois questionamentos, a nota do jornal dispara uma metralhadora: "...o dirigente ainda não explicou como os US$ 8 milhões do contrato com a AmBev serão entregues à MB -uma empresa com sede-fantasma, sem experiência na área esportiva, que entrou no negócio quando ele já tinha sido anunciado" etc.
Quanto à questão das suspeitas, diga-se, a verdade nem foi bem assim, pois o que a reportagem trazia -ao seu final, bem depois de falar das "suspeitas" anônimas de que se queixa a carta- era que a CPI suspeitou de que Teixeira possa ter usado a CBF para "beneficiar amigos", o que certamente é grave mas não é a mesma coisa.
Outra Nota da Redação pouco esclarecedora saiu em 29 de junho sob uma carta do ex-assessor da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Em resposta à afirmação de que eram falsas algumas informações publicadas no jornal sobre a relação entre irmãos dele e certas empresas, a nota dizia secamente que tais dados "constam do pedido de quebra de sigilo apresentado pelo Ministério Público à Justiça".
Ora, o que isso esclarece quanto ao mérito do questionamento? Nada, pois nem tudo que o Ministério Público escreve corresponde, necessariamente, à realidade.

Omissão
Ocorre também o contrário, ou seja, o jornal se abstém, por vezes, quando um pronunciamento, no entanto, se faz obrigatório.
Em reportagem desta terça-feira sobre conta bancária de Paulo Maluf em Jersey (o paraíso fiscal do Reino Unido), o ex-prefeito não apenas negava a sua existência, o que é normal, mas também atacava frontalmente o jornalista da Folha responsável pela revelação do caso, ameaçando "botá-lo na cadeia".
É o típico momento que exigia uma NR ao pé do texto, em defesa do repórter e do próprio jornal. Mas isso não foi feito.
Essas considerações querem dizer que Teixeira tem razão e que a reportagem sobre o contrato "muy amigo" deve ser invalidada? É óbvio que não, muito pelo contrário. Até porque, em sua carta, o dirigente se recusa a expor, de fato, seu "outro lado".
Querem dizer que a Folha não defende seus jornalistas? Evidente que não.
Reconheço que, em certas oportunidades, quando uma carta é agressiva demais -e isso também ocorre-, torna-se inevitável uma resposta "à altura", nem que seja com luva de pelica.
Ressalta-se aqui, apenas, que a Folha não poucas vezes abusa de seu poder de resposta no Painel do Leitor, deturpa o seu sentido e, em outras, simplesmente tenta destruir ou desqualificar o missivista em vez de prestar esclarecimentos ao leitor.
Contraditoriamente, omite-se, vez por outra, quando sua própria credibilidade é posta em questão.



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