São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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OMBUDSMAN

O mercado

BERNARDO AJZENBERG

Até mesmo quem pula o noticiário econômico já se habituou com a grande quantidade de títulos e reportagens que têm como sujeito o "mercado".
Pois essa presença maciça voltou a se manifestar sexta-feira na repercussão do anúncio de Henrique Meirelles como futuro presidente do Banco Central.
No caso da Folha, destaquem-se três títulos: "Para mercado, falta prática a escolhidos" (capa); "Lula indica neotucano ao BC; mercado reage com cautela" (página A4); e "Desconfiado, mercado espera por técnicos" (página A8).
Mas, afinal, quem é esse tal de mercado?
Em geral, três tipos de fontes costumam ser mais citadas nessas coberturas: 1) operadores de mesa; 2) analistas e economistas dos bancos e corretoras ou, ainda, consultores; e 3) executivos (diretores, presidentes) de instituições financeiras.
Os operadores (quase sempre anônimos) têm a "mão na massa": compram e vendem títulos ou dólares, investem, operacionalizam a especulação no dia-a-dia. Imediatistas pela natureza de sua função, vivem do humor dos últimos cinco minutos, adulam rumores, fazem alarde ante qualquer abalo, precisam, para ganhar dinheiro, que as coisas sejam ou pretas ou brancas, jamais cinzas. Nervos à flor da pele, testemunham apenas o curtíssimo prazo e falam conforme seus interesses momentâneos.
Os economistas e os consultores analisam, traçam cenários, tendências. Nem sempre refletem ou determinam a ação instantânea dos operadores, tampouco expõem, necessariamente, a opinião final dos bancos a que servem.
Os executivos (diretores ou presidentes), esses sim, transmitem, em tese, o pensamento oficial das instituições.

Inversão
Quando o assunto em pauta tem a dimensão de uma mudança da presidência do BC na montagem de um novo governo, parece evidente que a pergunta mais relevante a ser feita ao setor, política e economicamente, é qual foi, nele, o impacto oficial do novo nome. Significa ouvir, sobretudo, os executivos dos bancos.
Em seguida viriam as implicações para a vida econômica como um todo na sua visão -procurando-se, aí, os analistas.
Depois, a reação imediata, fugaz, no mercado e como o dólar, por exemplo, abriria no dia seguinte. Ou seja, os operadores.
Nos textos da Folha sobre a recepção ao nome de Meirelles, porém, há uma inversão de prioridades.
Das 19 fontes citadas, 13 (68%) são analistas ou consultores. Oficialmente, só dois bancos deram sua palavra formal -além da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).
Em contraponto, por exemplo, os diários econômicos "Valor" e "Gazeta Mercantil" registraram 44% (8 de 18) e 43% (10 de 23), respectivamente, de presença de executivos nas citações publicadas -sem falar no peso, neles também maior, de opiniões de setores industriais e comerciais.
Independentemente do resultado (mais ceticismo ou mais otimismo), este último tipo de repercussão -com ênfase nos executivos e maior abrangência de setores- tende a possuir mais consistência política e mais proximidade com a realidade econômica do que aquele apoiado principalmente em opiniões (válidas e necessárias, claro) de analistas ou operadores.

Parcialidade
No caso da Folha, acabou-se produzindo, também, algo que desorienta o leitor.
Uma reportagem publicada em Brasil dizia que "o mercado recebeu com cautela a indicação" de Meirelles e relatava, para expressá-lo, que a cotação do dólar, após cair de manhã, fechara em alta (0,3%).
Já em Dinheiro, o jornal atribuía a uma outra causa a subida da moeda norte-americana, segundo operadores: uma saída de recursos de cerca de US$ 130 milhões feita pela Petrobras.
"A alta do dólar não pode ser interpretada como um desapontamento do mercado com o anúncio de Henrique Meirelles", dizia esse segundo texto. "Meirelles agrada aos investidores por ser associado à credibilidade".
O mercado, se vê, não tem nada de monolítico, homogêneo. Nem é, a rigor, uma entidade. Como qualquer outro braço da economia, tem vozes diferenciadas, hierarquizadas e, na maioria, não-desinteressadas.
Além disso, dar-lhe tanto espaço em detrimento de outros setores e de analistas não atrelados a instituições bancárias na repercussão de um fato relevante de amplas consequências, muito além das financeiras -como a indicação do presidente do BC-, é sinal de parcialidade jornalística.


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