São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2001

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OMBUDSMAN

A chapa está (bem) quente

BERNARDO AJZENBERG

O ano se encerra, no campo da mídia, sob o impacto de pelo menos dois fenômenos vorazes: o marketing político e os rearranjos na propriedade dos meios de comunicação.
Está em curso uma roda-viva espiralada, e quem não souber enfrentá-la, ano que vem, correrá o risco da marginalização.
A questão é: como entrar na briga e vencê-la -ou, ao menos, sobreviver.
A ascensão vertiginosa da pré-candidatura de Roseana Sarney é o exemplo mais claro de como uma campanha de marketing altamente profissionalizada pode produzir ingerências políticas, criar novos cenários e, numa hipótese não absurda, apresentar eventuais soluções ou alternativas para um impasse evidente (no caso, a definição de quem, afinal, será capaz de enfrentar Lula nas urnas em 2002).
É fruto da combinação de um uso frio e calculado da televisão com a exploração ilimitada de pesquisas de opinião, uma via alimentando a outra.
Em palavras simples, a publicidade passou um verdadeiro trator em cima da política e tem obtido, até o momento, a concessão quase integral da mídia.
Enquanto o nome sobe, o jornalismo desce.
Paralelamente, com a aprovação pela Câmara, terça-feira, da emenda constitucional que permite a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação -decisão que, tudo indica, se reproduzirá no Senado, com o aval do Planalto-, devem se multiplicar os movimentos de reacomodação societária e o potencial de investimentos no setor.
Não pretendo discutir aqui os riscos que isso acarreta para o bom desempenho jornalístico da imprensa -tema da coluna "Temores", de 25 de novembro, e que certamente retornará- mas, sim, esboçar as dificuldades previsíveis com as quais lidarão os jornais, em especial a Folha, especificamente na guerra da concorrência.
Pois nessa mesma terça-feira, o "Estado de S.Paulo" noticiou seu ingresso na televisão, a começar pelo Maranhão (que coincidência), com vistas a alcançar em dois anos a constituição de uma rede nacional. Isso, claro, apostando em parcerias valentes, munidas de muito dólar.
Na quinta-feira, o jornal "Diário de S.Paulo" trazia em manchete reportagem exclusiva, produzida em conjunto com o "Jornal Nacional", da Globo, sobre a participação de policiais no tráfico de drogas na região central paulistana.
Foi, este, o primeiro caso importante de "sinergia" entre os dois veículos, pertencentes ao mesmo grupo de comunicação.

Jornalismo de verdade
O "case" Roseana e os exemplos acima mencionados são amostras de que o que vem pela frente -a acachapante máquina publicitária e as pressões vivas da concorrência- não será nada fácil para a Folha. E de quais armas o jornal dispõe para encarar a cena?
No terreno estritamente econômico, societário, comercial, esperam-se muitas, claro, mas interessa, aqui, enfatizar a principal, residente em outros corredores e salões, com nome e sobrenome: jornalismo de verdade.
É certo que o jornal produziu nas últimas semanas algumas reportagens, por exemplo, sobre a situação social ou irregularidades político-administrativas do Maranhão, Estado comandado há décadas pelos Sarney.
Em que pese a qualidade desse material, há de se convir que ainda foi pouco, foi tímido diante da avalanche político-marqueteira do PFL -e veja, leitor, que as campanhas, a bem dizer, ainda nem começaram.
Se a Folha pretende estar à altura do embate que se anuncia, precisa superar a inércia e a acomodação.
Precisa se concentrar, investir no que ela tem de mais precioso: seus jornalistas, seu jornalismo. É o que fará, no fim, a diferença.
Nas pesquisas, o jornal mantém como trunfo o apoio de um instituto de credibilidade reconhecida (o Datafolha). Mas seria grave erro contar com suas projeções como espinha dorsal durante a campanha eleitoral.
Esta só pode vir das reportagens, da investigação. Como a que, no primeiro semestre, trouxe à tona a questão das supostas contas do ex-prefeito Paulo Maluf no exterior ou a das ações do Exército na região do Araguaia; e, mais recentemente, a do caixa dois na campanha do PFL-PR e o caso Pelé-Unicef.
Ou, ainda, de entrevistas certeiras, feitas no momento adequado e bem conduzidas, como a com o senador Eduardo Suplicy, semana passada.
Mas, por ser, como tem sido, esporádica, essa produção valiosa não bastará.
Ao ininterrupto bombardeio que virá sob diversas formas -e ainda nem se falou da Copa do Mundo-, deve responder a constância desse tipo saudável de apuração, as chibatadas jornalísticas bem sustentadas e permanentes, sem trégua, com a regularidade de um marca-passo.
Sem isso, nem dólar nem marco, nem iene nem peseta garantirão coisa alguma, ao menos daquilo que a Folha e seus leitores sempre entenderam como sendo a missão de um bom jornal (todos os dias).



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