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A volta do "chutômetro"
É compreensível que organizadores de eventos, como a Parada Gay em São Paulo, batalhem por seus números; o errado é a Folha adotá-los
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ANTES QUE a chuva desabasse, no fim da tarde
de 18 de setembro de
1992, os animadores do comício pelo impeachment do presidente Fernando Collor alardearam a presença de quase 1
milhão de manifestantes no
Anhangabaú.
Para a Polícia Militar, a audiência era de 650 mil. A Folha cravaria a marca de 70 mil,
fundamentada em levantamento do Datafolha.
O instituto mapeara o vale,
em São Paulo, medira as áreas
ocupadas e observara a densidade (de duas a seis pessoas
por metro quadrado).
A estimativa de multidões
exige rigor, preconiza o "Manual da Redação": "Em evento
importante, usar método
científico de medição do local,
com assessoria do Datafolha".
O jornal desafiou o bom senso ao sustentar, na última segunda, que a Parada Gay mobilizou na capital paulista o
equivalente a 50 atos como o
do auge dos caras-pintadas.
Junto a uma fotografia mostrando um mar de gente, a primeira página anunciou: "Parada Gay em São Paulo tem público recorde". Complemento:
"Segundo cálculos dos organizadores, o evento reuniu 3,5
milhões de participantes".
O Folha deu o crédito para a
organização, mas aceitou a
conta, ao confirmar o "recorde". Cotidiano abraçou o número: "Parada Gay cresce; diversão e problemas, também".
Por que cresceu? Porque em
2006 a avaliação "oficial" foi
de 3 milhões.
Leitores apontaram a inconsistência. Na terça, o "Painel do Leitor" publicou carta
de Adelpho Ubaldo Longo. Ele
considerou a extensão e a largura da av. Paulista, com seis
indivíduos por metro quadrado. Resultado: presença máxima de 806.400 pessoas.
Não havia aquela concentração na Paulista. E, na verdade, a parada tomou também
a rua da Consolação. Para a
Folha, ela se estendeu por 3,2
km. Mas não há como afiançar
os 3,5 milhões.
Os promotores falam em somar o público circulante e o do
entorno do trajeto, mas não
empregam método científico.
É compreensível que eles batalhem por seus números. O
errado é a Folha adotá-los.
O diretor do Datafolha,
Mauro Paulino, confirma as
conclusões do leitor. Sobre o
público total, ele diz: "Só poderia afirmar com certeza se
tivesse aplicado o nosso método". As medições do Datafolha
foram feitas de 1985 a 2000.
A Redação lembra que creditou aos organizadores a projeção. Diz que o testemunho
de repórteres e a comparação
de fotos "parecem dar razão a
todos que afirmam que o
evento de 2007 foi o maior".
Ou seja: dispensou o procedimento determinado pelo
"Manual". Por que a Folha o
abandonou? Responde a Redação: "Por que os custos de
medição são muito altos. [...]
Tal investimento só se justifica quando a precisão da estimativa se mostrar indispensável para a avaliação da importância jornalística de determinado evento".
Pois era o caso da parada, de
repercussão mundial. O jornal
deveria resgatar o Datafolha
para medir multidões. Em um
texto de 1989, a Folha chamou cálculos alheios de "chutômetro". Hoje pode assegurar que não divulga chutes?
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