São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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OMBUDSMAN

E nós na foto?

BERNARDO AJZENBERG

Você na certa já ouviu (ou fez) o seguinte comentário: a mídia adora falar dos problemas dos outros -e o faz às vezes com muito alarde e facilidade-, mas, quando ela própria vira notícia, a coisa costuma mudar bastante.
Dois casos, nos últimos dias, mostram que essa queixa não é desprovida de sentido.
Na segunda-feira, a Folha publicou uma reportagem com o título "Inflação agora contamina preços do lazer".
Com base em levantamentos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, o texto mostrava que aumentos de preço começam a aparecer de forma significativa não só em itens básicos (comida, por exemplo), mas também nos serviços ou produtos considerados supérfluos.
Um quadro mostrava o quanto subiram os preços de 48 itens nos últimos 12 meses. Encabeçando a lista estão as jóias (41,4%) e o táxi (22,7%). Em seguida, os jornais (18,6%).
Os dois textos da reportagem expunham os motivos alegados para o comportamento dos preços em certos casos: cinema (2,59%, portanto menos do que a inflação do período medida pela Fipe, de 6,05%), restaurantes (7,31%), automóveis (8,72%), jóias e lavanderias (3,62%).
Quanto aos jornais, nenhuma menção; apenas a taxa (18,6%) no quadro -isso, claro, não por falta de acesso à explicação.
Diga-se de passagem, essa nem seria das mais obscuras. No caso da Folha, por exemplo, um terço do custo do jornal cabe aos chamados custos industriais (papel, tinta, chapas, frisas etc), os quais, segundo explicou-me a diretoria da empresa, são indexados ao dólar, sofrendo impacto direto da desvalorização do real.
Completa ou não, eis ao menos uma alegação. Nem a ela, porém, os leitores tiveram acesso.

Confiança
O segundo caso ocorreu no dia 8, quando se noticiaram os resultados de uma pesquisa feita em 47 países pelos institutos Gallup e Environics sobre o grau de confiança que a população mundial deposita nas instituições.
O grupo "Imprensa/mídia" aparece em décimo lugar, com 49% de "muita ou alguma confiança" e 47% de "pouca ou nenhuma confiança". Fica atrás das Forças Armadas, ONGs, instituições religiosas, polícia, governo, entre outras.
Eis uma má notícia, sem dúvida. No entanto, a reportagem, editada num pé de página sob o título "Políticos ficam por último em ranking de confiança" (políticos, aqui, como sinônimo de "Parlamento/Congresso"), simplesmente ignorava esses dados.
E isso até mesmo na edição nacional da Folha, na qual o tema abriu uma página mas o desempenho específico do setor só apareceu em números, numa tabela, sem nenhum comentário.
No mesmo dia, "O Estado de S.Paulo" publicou os resultados da pesquisa no caso brasileiro. Aqui, imprensa e mídia aparecem em quarto lugar (58% de muita ou alguma confiança), atrás de "grupos religiosos e Igrejas", ONGs e Forças Armadas.
É uma performance acima da média mundial, mas nem por isso capaz de provocar satisfação.
Os leitores da edição nacional da Folha até foram informados a respeito de alguns dados sobre o Brasil (os setores líderes, acima listados, e os lanterninhas, como governo, polícia, Congresso e FMI), mas nada puderam ler sobre a "nota" dada à mídia.
Quaisquer que sejam os motivos para essas omissões ou lacunas, o fato é que elas, obviamente, não ajudam em nada a que, em próximas pesquisas, a credibilidade da imprensa por parte da população suba pelo menos um pouquinho.



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