São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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Marta e Alckmin

Na coluna de domingo passado tratei, pela segunda vez, da cobertura das eleições municipais feita pela Folha. Como na primeira vez, em maio último, concluí que existe um nítido desequilíbrio no acompanhamento da Prefeitura de São Paulo.
Usei, como suporte, a pesquisa quinzenal do Laboratório Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública) do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Na última quinzena avaliada, de 19/8 a 1/9, as reportagens e referências à administração Marta Suplicy na Folha eram majoritariamente (61%) negativas.
Questionei a Redação e publiquei a resposta que recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva ("Um pouco além dos números"). Concordo com várias observações que fez. Estou de acordo, e deixei bem claro no meu texto, que a avaliação de uma cobertura, qualquer que seja, não pode se basear apenas em estatísticas. Mas há um ponto nas suas ponderações que gostaria de trazer de volta para a reflexão do jornal e de seus leitores. Segundo o editor, "a análise do ombudsman talvez não considere como deveria o fato de que o PT está no poder em São Paulo".
Não é que não considere. Considero sim, e acho, por convicção profissional, que devemos tratar os administradores públicos com o máximo de rigor. Não porque sejam todos corruptos ou incompetentes, mas porque uma das funções do jornalismo é a de fiscalizar o uso dos recursos públicos e a eficiência das políticas adotadas. Ainda mais em um país como o Brasil, onde faltam recursos e sobra miséria.
A minha questão não é com o rigor que o jornal se impõe na cobertura da administração Marta Suplicy, mas com a inexistência de igual empenho e regularidade na cobertura da administração do governador Geraldo Alckmin.
Foi o que escrevi na última coluna, e talvez não tenha sido explícito o suficiente: "É da natureza do jornalismo, e faz parte da tradição da Folha, uma cobertura crítica. O ideal é encontrar o ponto de equilíbrio que permita ao leitor perceber que o jornal está sendo igualmente rigoroso com todos os candidatos e administrações, sem privilégios nem perseguições".
Por que a Folha deve cobrir bem o governo do Estado? Em primeiro lugar, porque é governo. Em segundo, porque também está na disputa eleitoral pela prefeitura.
Embora o Palácio dos Bandeirantes não esteja diretamente em jogo, o partido do governador, o PSDB, disputa com o PT a liderança da campanha e seu candidato, José Serra, tem como principal trunfo a administração Alckmin. O governador e sua gestão também estão, portanto, na berlinda.
A Folha cobre bem o governo do Estado? Não cobre, nem em volume de reportagens nem em exercício crítico. Quase todas as reportagens bem feitas e que acertadamente questionam o governo municipal identificam a responsabilidade de Marta Suplicy. As que tratam das mazelas estaduais, além de em menor volume, raramente apontam para o governador Alckmin.
Isso sem contar com as reportagens sem qualquer senso crítico, como a publicada sexta-feira em Cotidiano com o resultado de pesquisa da Fundação Seade sobre os índices de criminalidade em São Paulo.
O jornal destaca a queda de 17% de homicídios em quatro anos, atribui esta queda, ingenuamente, às "políticas de combate à violência" e ignora dois aspectos importantes: as estatísticas de criminalidade no Brasil ainda são inconfiáveis e, dado mais chocante, na cidade de São Paulo, mesmo com a queda registrada, foram contabilizados, em 2003, 47,2 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes.
Em alguns bairros da capital, como Brás e Guaianazes, esses números se aproximam de 90 homicídios por 100 mil habitantes. São números escandalosos e insuportáveis e que questionam a política estadual de segurança.
É do interesse dos leitores que o governo do Estado receba, por parte da Folha, a mesma atenção que ela dedica à prefeitura.


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