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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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OMBUDSMAN

Depois da guerra

BERNARDO AJZENBERG

O diário britânico "The Independent" criou e a Folha reproduziu na quinta-feira uma lista com18 perguntas e respostas sobre a ocupação do Iraque pela coalizão anglo-americana e suas consequências (veja ao lado).
Há questões de ordem especulativa ("A ONU deixou de ser relevante?", por exemplo), mas também outras que dizem respeito às limitações da cobertura jornalística ("Quantos morreram na guerra?", "O que aconteceu aos escudos humanos"?).
O que mais chama a atenção é a quantidade de interrogações que permanecem no ar, apesar de o conflito ter-se praticamente encerrado e de nunca ter existido, em confrontos anteriores, presença tão ampla da mídia -horizontal e verticalmente- no "teatro das operações".
É natural que a elucidação de muitos dos eventos da guerra leve um tempo. Os meios de comunicação, nesse caso, ainda têm muito trabalho pela frente.
Mas o buraco, como se diz, fica mais embaixo.
Como escreveu recentemente o ombudsman do "Washington Post", Michael Getler, muitas teses e estudos serão realizados para avaliar o desempenho do jornalismo no conflito, em especial o programa do Pentágono de "encaixar" nas tropas cerca de 600 correspondentes.
Parece desde já fora de questão, porém, que a tradicional independência da mídia norte-americana foi nitidamente abalada pelo apoio (mais ou menos aberto) que prestou ao governo dos EUA, mesmo em seus mais sólidos bastiões (como o próprio "Post" e o "New York Times").
E nisso o papel dos "encaixados" (identificados, muitas vezes, com os suores das tropas conterrâneas) -ou seja, do noticiário e não apenas dos editoriais de opinião institucional- não foi, certamente, secundário.
O secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, parece ter colhido, além da vitória militar, uma outra: transformar os correspondentes de guerra em aliados. E o preço disso para o jornalismo, nos EUA e internacionalmente, ainda precisa ser apurado.
Em relação a "engajamentos", aliás, registro o curioso caso, relatado a mim pelo ombudsman Yavuz Baidar, do diário "Millyet", da Turquia, de um correspondente desse jornal que foi chamado de volta por seus chefes por ter-se enfileirado como "escudo humano", ao lado das forças iraquianas, ao mesmo tempo em que fazia sua cobertura supostamente isenta.
No caso da Folha, não se atingiu a exuberância jornalística de uma cobertura como a dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, mas o balanço, sem ser excelente, é positivo.
Apesar da posição editorial contrária à política adotada pelo governo Bush -refletida, a meu ver de modo equivocado, na vinheta "Ataque do Império", que causou queixas de muitos leitores-, apesar da pendência anti-EUA no cômputo dos artigos sobre o assunto na seção "Tendências/Debates" (página A3) e dentre os colunistas, o jornal manteve-se isento no conjunto do noticiário.
Pareceu-me evidente o esforço no sentido de publicar textos de "ambos os lados" nos artigos, entrevistas e análises do caderno dedicado à guerra, assim como o de exibir as contradições entre as informações divulgadas tanto por Washington quanto por Bagdá no decorrer das batalhas.
É preciso enfatizar mais uma vez, no entanto, que o verdadeiro diferencial da Folha foi ter mantido na capital iraquiana dois enviados especiais -o repórter Sérgio Dávila e o fotógrafo Juca Varella- durante a maior parte dos acontecimentos, produzindo relatos e imagens exclusivas.
Sem esse pesado investimento -em dinheiro, ousadia editorial e coragem pessoal-, infelizmente o jornal não teria conseguido se diferenciar com nitidez, em erros e acertos, dos diários concorrentes.


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