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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Regras e critérios

Há decisões delicadas para o jornalista. Uma delas é revelar o nome de uma pessoa numa situação em que isso possa, em tese, pôr a segurança dela em risco.
Na quarta-feira, em reportagem sobre o suposto esquema de corrupção na Fazenda do Rio envolvendo auditores e fiscais (caso Silveirinha), a Folha publicou apenas as iniciais do nome da ex-mulher de um deles, cujo depoimento à Justiça, no dia anterior, foi decisivo para a decretação da prisão dos investigados.
O texto afirmava que "a Polícia Federal pediu que o nome da ex-mulher (...) fosse mantido em sigilo por motivo de segurança".
Na quinta, porém, o jornal deu o nome inteiro, por extenso.
Por que a diferença de atitude?
Segundo a Secretaria de Redação, o pedido de omissão no primeiro dia foi feito informalmente por um policial ao repórter. O jornal preferiu acatá-lo enquanto avaliava melhor o caso. Considerou também que a preservação da identidade não prejudicava o conteúdo da denúncia.
Depois, como o juiz do caso não fizera pedido semelhante e a própria PF também não o formalizara, e como a testemunha era pública, com nome já divulgado por outros veículos -além de estar protegida por segurança especial-, o jornal julgou não haver motivo para preservar a identidade.
O nome, aqui, não é o determinante, mas a atuação oscilante do jornal em relação a ele expõe questões de procedimento que merecem discussão.
Nesse caso, a meu ver, a Folha cometeu dois equívocos.
O primeiro foi não tratar sua própria postura com transparência. Ao leitor, foi dito, imprecisamente, que o pedido inicial era da PF -ou seja, a instituição-, e não de um policial, informalmente. Depois, na edição seguinte, o jornal não lhe prestou contas quanto à mudança adotada.
Creio que houve, também, uma omissão injustificada de informação, criada por excesso de prudência.
Como se lia num texto publicado na própria quarta, a testemunha já se encontrava havia dias sob proteção especial da PF. Ex-mulher de um acusado, os envolvidos a conhecem; nada indicava que divulgar o nome elevaria o risco. Inexistia pedido formal da polícia ou do juiz.
Tais dados estavam "na mesa" desde o começo. Assim, a decisão de dar o nome poderia ter ocorrido na primeira reportagem.
Toda cautela é elogiável, mas não deve encobrir a existência de imprecisões ou lacunas nos critérios que guiam decisões em questões tão recorrentes como essa.
É da natureza do jornalismo o risco de adotar opções delicadas no afogadilho. Não se pode fugir dele. Por isso, quanto mais objetivas e detalhadas forem as regras a embasá-las, menos chance um jornal terá, desde o início, de cometer erros ou oscilações.


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