São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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OMBUDSMAN

Erros e acertos

MARCELO BERABA

A Folha reconheceu, na edição de sexta, no alto de sua Primeira Página, que publicou uma manchete errada. Não é raro o jornal errar, mas é incomum reconhecer o erro com tanto destaque. A notícia foi publicada dia 11 e tinha como base um relatório divulgado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre trabalho infantil no mundo que incluía dados sobre o Brasil. O texto foi escrito com base nas agências internacionais.
A reportagem informava, entre outros números, que 559 mil crianças e jovens brasileiros entre dez e 17 anos são explorados como trabalhadores domésticos. "Brasil tem meio milhão de crianças escravizadas", dizia a manchete da Folha.
O primeiro sinal de alerta partiu do jornalista André Petry, diretor da revista "Veja" em Brasília. Ele assinou um artigo, "Asneira internacional", em que questionava os números que o relatório da OIT trazia sobre o Brasil. Descobriu que o trabalho não informava sobre a metodologia da pesquisa e que os números nacionais eram de relatórios antigos da Unicef e da OIT.
A Folha decidiu checar os dados que publicou e três jornalistas do seu quadro foram designados para a apuração. O resultado foi publicado anteontem, no alto da capa: "Dado sobre escravidão de crianças estava errado". Dentro, sobre uma manchete semelhante, o jornal informava: "Para agência da ONU, é impossível quantificar trabalho escravo de crianças; Folha corrige reportagem de 11 de junho".
O relatório da OIT não falava em meio milhão de crianças escravizadas, mas de crianças no trabalho doméstico. Descobriu-se, além disso, que os números da OIT também estavam defasados: segundo o IBGE, em 2002 o Brasil tinha 482 mil crianças e jovens em trabalho doméstico.
Mais de 400 mil meninos e meninas em trabalho doméstico é assustador da mesma forma. E é provável que boa parte deles viva sob regime semelhante ao da escravidão. Mas dados errados tiram credibilidade de quem os produz e de quem os divulga.
O jornal assumiu o erro: "Falhas de apuração da Folha, má interpretação por parte de uma agência internacional de notícias (AP, Associated Press) e imprecisões nos informes da OIT à imprensa contribuíram para a publicação equivocada".
Leitores cobram, com razão, que os jornais custam a reconhecer os erros e o fazem timidamente. Também acho isso. Nesse caso, a Folha agiu rápido. Embora tenha sido um dos primeiros jornais no país a reservar um espaço fixo para correções (a seção "Erramos", na página A3), é comum o jornal demorar a reconhecer uma informação errada.
Não é a primeira vez que a Folha estampa uma confissão na Primeira Página, mas é raro. Levantamento feito pelo Banco de Dados do jornal registra seis outros casos desde 1992.
O caso mais explícito de reconhecimento de erro que me recordo aconteceu em 4 de agosto de 2000, quando o "Correio Braziliense" admitiu em manchete: "O Correio errou". Na véspera, tinha publicado reportagem com denúncias contra Eduardo Jorge, ex-secretário da Presidência. Assinava a correção, também sem nenhuma evasiva, o então editor-executivo do jornal, André Petry, o mesmo que agora descobriu erros no relatório da OIT e na manchete da Folha.


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