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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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OMBUDSMAN

Terno, boné, jóia, Rolls Royce

BERNARDO AJZENBERG

Uma das poucas certezas, quando Lula tomou posse, era de que o advento do ex-metalúrgico ao posto de presidente da República criaria fatos simbólicos inusitados, alteraria o cenário do Planalto, do Alvorada e da Granja do Torto. O desafio era captar os detalhes que configuravam o novo "espírito" -e isso valia para as figuras do presidente e da primeira-dama.
Destaquem-se a reativação da churrasqueira do Torto, as peladas, a cadela Michele, o apego ao contato direto com a população; lágrimas, suor, barbas no poder.
Na última quarta-feira, porém, o noticiário deu sinais de que, passados 180 dias, esse item da pauta cobra uma revisão.
Naquele dia, todos os jornais publicaram com enorme destaque em suas capas a gafe do cerimonial da Corte espanhola, que fechou a porta do Rolls Royce onde estavam Lula e Marisa logo depois da descida dele e antes de que ela pudesse deixar o veículo também (veja ao lado).
Episódio curioso? Claro. Merecia registro? Sim. Mas é evidente que houve exagero no espaço dado à divulgação de um evento secundário, pelo qual nem o presidente nem sua mulher tiveram responsabilidade.
Da mesma forma, explorou-se à solta que Lula usou terno num jantar de gala no qual a realeza espanhola vestia casaca - fato que, como informou o colunista Clóvis Rossi na sexta, não só já tivera antecedentes como estava previsto, sem problemas, nos acertos prévios de cerimonial.
Uma coisa é revelar, como fez a Folha semanas atrás, o usufruto, pela primeira-dama, de serviços pessoais gratuitos, de jóias cedidas (depois devolvidas) etc. Isso diz respeito, sim, a uma questão ética -e simbólica- relevante.
O uso do boné do MST pelo presidente da República também não deixou de expressar um titubeio -tanto que Lula, agora, veste um boné atrás do outro justamente para "diluir" aquele dos sem-terra.
Estamos, até aí, no terreno da crítica legítima, democrática; da apuração jornalística polêmica, mas saudável e necessária.
Já o tratamento dado aos casos do Rolls Royce e da casaca -registre-se que a Folha não fez, aqui, o pior papel- escorrega para um outro terreno: o da gozação, da galhofa ou, para usar o termo de uma leitora indignada, da simples esculhambação.
Passados os seis meses iniciais do governo Lula, seria bom que os jornais atualizassem o modo de tratar aquela primeira questão, a dos símbolos. No mínimo para não verem o que era legítimo jornalisticamente se deformar em instrumento de uma oposição política que, para desgastar e desqualificar a figura presidencial, agarra-se a qualquer pretexto.


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