São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA - ombudsman@uol.com.br

O acessório e o essencial


A Folha se prendeu ao imediato na Operação Satiagraha e ainda não fez uma boa análise sobre as conseqüências políticas possíveis no governo

A RECENTE prisão de Daniel Dantas, Salvatore Cacciola e outros acusados de crimes de colarinho branco, ainda que temporária, independentemente da comprovação de sua culpa, tem um importante significado simbólico positivo para a sociedade brasileira.
Infrações à lei cometidas por pessoas ricas, de respeitabilidade e alto status social não costumavam nem ser investigadas no Brasil, quanto mais minimamente punidas.
Quando se lia sobre "mestres do universo", como são conhecidos os grandes gênios financeiros, como Michael Milken, condenados a anos de reclusão nos EUA, costumava-se apontar esses casos como sintoma do sucesso institucional alheio e fracasso nosso.
Agora, o país se acostuma a ver alguns de seus principais magnatas, que gozavam da fama -justificada ou não- de useiros violadores da lei deixarem de desfrutar de impunidade garantida.
E como o jornal lida com isso? A Operação Satiagraha provocou verdadeira comoção entre leitores da Folha. Mais de 250 se manifestaram ao ombudsman, a maioria absoluta com críticas à cobertura.
Muitas me pareceram improcedentes e movidas apenas pela guerra sectária de petistas e tucanos que envenena o ambiente social e político brasileiro. Mas algumas são muito bem fundamentadas.
Minha maior crítica é ao que a Folha tem deixado de fazer. Como muito bem afirmou o leitor Gabriel Pinto, em vez de "adotar seja um enfoque crítico, seja promover uma descrição densa dos fatos, ela se perdeu na descrição de fatos inúteis".
Um exemplo foi a reportagem que parece ter tentado invalidar todo o inquérito da Polícia Federal a partir da desqualificação de seu autor por ele cometer erros de português no relatório. Para azar do jornal, a própria reportagem continha erros gramaticais.
Outro exemplo foi resumir a entrevista do juiz do caso na quinta-feira a aspectos de sua aparência psicológica em vez de discutir, mesmo sem citá-lo, a possibilidade que ele levantou de a legislação vir a ser modificada para travar a punição de crimes de colarinho branco. O leitor Júlio Simões se queixou de só ter sabido das opiniões do juiz porque as leu num concorrente da Folha.
Trata-se da mania de examinar o autor das idéias em vez delas. É o contrário do que precisa ser feito para o debate intelectual avançar.
Como lembrou a leitora Maria Tereza de Souza, faltou buscar exemplos internacionais. Como é a concessão de habeas corpus por tribunais superiores nos EUA, na Alemanha? Como se deu a Operação Mãos Limpas na Itália?
A Folha se prendeu ao imediato, ao acessório e, nesse plano, não foi mal. Mas, mesmo aí, até agora não apresentou uma boa análise de conjuntura sobre as conseqüências políticas possíveis no seio do governo federal da Satiagraha nem das dissensões internas do PT que a tornaram possível do jeito atabalhoado que ocorreu.
O jornal também não mostrou ainda com detalhe o grau de enraizamento do grupo de Daniel Dantas na política brasileira. O perfil do financista foi curto e ralo. Não foram exploradas a fundo suas relações com PSDB, DEM, PMDB, além do PT, nem com figuras de frente desses partidos.
Houve omissões importantes e injustificáveis. Nenhuma linha foi publicada sobre a relação de negócios entre a irmã de Dantas e a filha de José Serra, apesar de esta ter até divulgado um comunicado de imprensa para esclarecê-la.
A Folha, a seu favor, foi quem mais noticiou -na grande imprensa- as suspeitas sobre jornalistas levantadas pelo inquérito, na maioria absoluta inconsistentes. Mas não debateu temas importantes como a função de vazamentos seletivos por fontes policiais e de governo.


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