São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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OMBUDSMAN

Sinal vermelho

MARCELO BERABA

O Banco Santos sofreu intervenção na sexta-feira dia 12. Segundo arte que vem sendo reproduzida pela Folha, a primeira vez que o BC apontou problemas na saúde financeira do banco foi em 15 de outubro, e "no dia 5 de novembro o sinal vermelho foi aceso".
Segundo um dos advogados do banco, Ricardo Tepedino, "o BC [Banco Central] fez uma fiscalização muito ostensiva e pouco discreta [da situação do banco]. Os rumores levaram a uma onda de saques incomum. Foram R$ 700 milhões nos últimos quatro meses. Essa sangria enxugou a liqüidez do banco" ("Boataria causou problemas, diz advogado", Folha, em 14/11).
Na reportagem "Banqueiro admite problema de caixa" publicada dia 13, sábado, o jornal informou que o banco "estava havia pelo menos um ano sob rigorosa inspeção do Banco Central" e que "os rumores de que a saúde do Banco Santos estava debilitada já corriam havia bastante tempo no mercado".
Anteontem, todos os jornais publicaram a nota do ex-presidente José Sarney em que ele informava que havia transferido seus depósitos do Banco Santos "em face dos rumores publicados na imprensa e existentes na praça". Na mesma sexta, outra reportagem informa: "Nos últimos quatro meses, depois que começaram rumores sobre os problemas na saúde financeira do banco, o caixa da instituição começou a perder muito dinheiro. Em quatro meses, perdeu R$ 700 milhões em depósitos".
Relato todos estes detalhes porque recebi o telefonema de uma leitora questionando a Folha por não ter informado antes que o banco não estava bem. Correntista, ela se sentiu "traída" pelo jornal porque não teve a informação que lhe teria permitido trocar de banco.

Razões de segurança
Se os rumores eram tão fortes e antigos, por que a Folha não os noticiou? Por uma razão simples: o jornal não publica rumores, ainda mais se podem provocar uma corrida aos caixas e a quebra de um banco.
Este procedimento está consagrado no verbete "razões de segurança" do "Manual da Redação": "Em regra, a Folha publica tudo o que sabe. Mas pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa [seqüestro, por exemplo] ou de empresa". É o caso.
A Folha agiu bem ao não divulgar boatos. Seu problema foi de outra natureza. A responsabilidade que deve ter em assuntos como este não a exime de estar bem informada e de orientar o noticiário para uma cobertura do interesse do leitor. Não foi o que aconteceu. No período em que já corriam os rumores de que o Santos ia mal, o jornal divulgou três notas que, lidas agora, parecem releases do banco e passam a idéia de que o banco estava bem.
A primeira foi dia 3 de setembro na coluna "Mônica Bergamo", como título "Lista VIP": "O Banco Santos está despachando cartas de seu presidente, Edemar Cid Ferreira, a uma lista VIP de pessoas do país. É para a abertura de contas no banco de varejo que Ferreira está lançando, e que aceita pessoas de renda superior a R$ 4.000".
As outras duas saíram no mesmo mês, dia 24, no "Painel S.A.", com os títulos "Sinal verde". A primeira: "O Banco Central acaba de homologar o aumento de capital de R$ 41 milhões do Banco Santos e de aprovar a nova diretoria com Ricardo Gribel na presidência da instituição. "Trata-se de uma demonstração inequívoca da saúde financeira do banco", diz Gribel". A outra: "Gribel acha que a decisão do BC representa um marco importante na história do Banco Santos. Segundo ele, o banco vai atuar, a partir de agora, no segmento de pessoa física. A instituição registrou no primeiro semestre um lucro líquido de R$ 41,1 milhões".
Nenhum questionamento, nenhuma preocupação em verificar a situação do banco. Não para noticiar que ia quebrar, mas para mostrar que as medidas que estavam sendo tomadas eram reflexos das dificuldades que o banco vinha passando.
Nenhum veículo noticiou com clareza que a situação do banco era difícil. A revista "Exame" do dia 13 de outubro tem uma reportagem ("Banco Santos altera sua estratégia") que dá a entender que a instituição tinha problemas, mas não é explícita. Seu enfoque é o mesmo das notas da Folha: positivo e acrítico.
É compreensível que a Folha não tenha publicado os rumores. Mas nada justifica que tenha alimentado a idéia de que a situação do banco era saudável. O interesse do banco foi preservado, mas não o do leitor.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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