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A ira dos leitores
O jornal "O Globo", do Rio, publicou, na primeira página de sua
edição de segunda, dia 15, duas
fotos do assaltante Rafael da Silva
Alves. Na primeira, ele acabava
de ser preso depois de assaltar
um casal de turistas chilenos e era
levado para a delegacia por três
policiais. A foto seguinte mostrava o assaltante, dentro da delegacia, com o olho direito inchado.
A reportagem não usa a palavra
tortura, apenas testemunha que o
preso chegou bem, que meia hora depois foi apresentado à imprensa com o rosto vermelho, e
que, 20 minutos após, voltou a
ser apresentado com o olho direito fechado e inchado. Segundo a
reportagem, a polícia negou
qualquer agressão.
Não é a primeira vez que um
jornal flagra um preso machucado dentro de uma delegacia. O interessante neste caso foi a reação
de indignação e revolta que as fotos provocaram nos leitores do
jornal. Como era feriado, não foi
uma reação imediata. Mas na
quarta-feira, a seção "Carta dos
Leitores" trazia 21 mensagens
contra o jornal.
O teor das manifestações pode
ser resumido por alguns trechos
que reproduzo: "O que "O Globo"
pretende com iniciativas deste tipo? Proteger os criminosos?"; "O
Globo" está do lado do povo ou
dos bandidos?"; "Fiquei surpreso
pelo fato de o jornal proteger, em
nome dos direitos humanos, um
bandido que está sujando mais
ainda o nome do Brasil no exterior"; "Não há mais lugar no Rio
para a defesa dos direitos humanos desses bandidos que não
pensam quando matam".
Segundo o diretor de Redação
do jornal, Rodolfo Fernandes, foram 74 mensagens recebidas em
três dias.
A posição do jornal foi expressa, na mesma quarta, em Nota da
Redação: ""O Globo" respeita a
opinião dos leitores que se sentiram contrariados com as fotos
publicadas, mas entende que as
polícias modernas do mundo
não precisam se valer da tortura
para solucionar os crimes. As estatísticas mostram que a violência oficial entra no vácuo da falta
de investimento em equipamentos, treinamento e inteligência. O
Rio tem condições de sonhar
com uma redução da criminalidade sem que o Estado apele para
a barbárie".
Com a edição das cartas indignadas, leitores que pensam de
forma diferente reagiram, e o jornal editou as cartas, no dia seguinte, em forma de debate. Ouviu também especialistas, que entenderam a primeira onda de reações como uma conseqüência do
medo. "Medo da violência leva
cariocas a botarem em xeque valores básicos do estado de direito" era a submanchete da reportagem do dia 15.
Acho que "O Globo" cumpriu
o seu dever ao publicar as fotos
do assaltante e ao questionar o
trabalho da polícia. Este é um dos
papéis dos jornais, que devem estar sintonizados com seus leitores, mas não podem abdicar de
princípios como a defesa da democracia e dos direitos humanos, princípios difíceis de serem
sustentadas em períodos de crise
e de caos, quando as opiniões se
radicalizam.
A situação talvez seja mais grave no Rio, mas a criminalidade, a
violência policial e a formação de
uma opinião pública desiludida
(que não vê solução senão na lei
de Talião, na pena de morte e nos
esquadrões de extermínio) não
são exclusividades da cidade.
Mais do que nunca os jornais
devem estar comprometidos em
ajudar a sociedade a enfrentar esses fantasmas abrindo suas páginas para a discussão ampla. Mesmo quando essa discussão questiona os seus pontos-de-vista e os
espreme contra a parede.
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