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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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OMBUDSMAN

Opinião e notícia

BERNARDO AJZENBERG

A opção do jornal, exposta em editoriais, por esse ou aquele lado num debate sobre tema polêmico não deve contaminar o noticiário nem dirigir a seleção de textos opinativos. Esses dois elementos, ao contrário, exigem pluralismo e equilíbrio, para permitir que o leitor forme sua opinião.
Ao reler o que se publicou sobre a necessidade de mudança ou não da maioridade penal a partir da morte de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, cheguei à avaliação de que, nos últimos dias, a Folha incorreu nesse erro.
O tema, recorrente, voltou à tona quando a polícia apresentou um menor (R., 16) como o principal acusado pela morte do casal. Isso ocorreu na segunda-feira (10) e foi notícia nos jornais do dia seguinte.
Na quinta, a Folha expôs, no editorial "Maioridade penal", o seu ponto de vista: "...não será reduzindo a maioridade penal que o envolvimento de jovens em crimes deixará de existir".
Na mesma edição, Cotidiano publicou entrevistas com o pai de Liana e a mãe de Felipe em que ambos defendiam a redução da maioridade .
Na sexta, um texto -sem menção na capa e sem ser manchete na página interna- registrava a posição do arcebispo de Aparecida (SP), dom Aloísio Lorscheider, também pela redução. No pé, a do ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, contrária a mudança.
Dia seguinte, um sábado, a capa de Cotidiano destacava: "Crime reabre debate sobre maioridade penal". Resumiam-se, ali, de modo equilibrado, diversas opiniões, contra e a favor, além da reprodução daquilo que a legislação estipula, hoje, com relação ao problema.
Na seção "Tendências/Debates", dois artigos respondiam, sob diferentes enfoques, à pergunta "Devem ser revistas as penas impostas aos menores que cometem crimes?". Cabe observar, aqui, que mesmo o articulista que respondia "sim" fez questão de repudiar a tese da redução da maioridade.
Até ali, entendo que a cobertura, nesse aspecto, andava bem.

Viés
No domingo passado, a polêmica se limitou a alguns colunistas e a cartas de leitores. Na segunda, foi "esquecida" (nesse dia, aliás, o jornal não noticiou a ocorrência de uma missa realizada na catedral da Sé com familiares de vítimas da violência, inclusive os pais de Felipe).
Mas um viés contra a redução começou a se manifestar a partir de terça-feira (18), quando o jornal publicou, agora na parte superior da Primeira Página, o seguinte título: "Cristovam afirma que mudar lei só ajuda elite". Dentro, a opinião do ministro da Educação ocupou toda a parte de cima da pág. C3.
Nenhuma opinião favorável à redução da maioridade recebeu, nem antes nem depois desse dia, tamanho destaque.
Abaixo dela, uma reportagem expunha críticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a uma proposta do governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), que, sem pregar a redução, defende mais rigidez nas punições aos menores infratores.
Quarta-feira, 19: o jornal publica uma reportagem sobre a proposta de Alckmin, na qual o governador deixa claro ser contrário à redução da maioridade e defende, sim, aperfeiçoar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ao lado, uma outra, sobre a recusa da apresentadora Hebe Camargo, procurada pelo jornal, a comentar o "desabafo" feito no programa de segunda à noite, no qual ela disse que, se a deixassem entrevistar R., ela o mataria. Só ao pé do texto há a informação de que as famílias de Liana e Felipe organizavam para sábado (ontem) uma passeata.
Em material sobre os candidatos à presidência da OAB-SP, noutra página, uma reportagem se intitulava "Maioria defende atual idade penal".
Na quinta, no alto da página C5, um procurador de Justiça, um promotor da Infância e Juventude e um coordenador da OAB atacam as propostas de Alckmin, mas um deles, ao final, ressalta um ponto positivo dela:
"Com essa iniciativa do governador, está praticamente descartada a possibilidade de redução da maioridade penal."
Por fim, na sexta, publica-se, com foto, o texto "Criado comitê contra a redução da maioridade". Apenas ao pé, de novo, conforme observei na crítica interna, menciona-se algo sobre a passeata planejada pelos familiares do casal; ainda assim, sem precisar em que ponto da avenida Paulista ela começaria. Somente na própria edição de ontem, em cima da hora, a mobilização recebeu o devido destaque.
Em defesa da linha adotada pelo noticiário do jornal, o editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, argumenta ao ombudsman que "entre os setores mais expressivos da sociedade civil, é diminuto o número daqueles favoráveis à redução da idade penal, e todas as suas vozes de expressão foram registradas pela Folha".
Além disso, afirma o jornalista, "entre os integrantes desse grupo, não existe um discurso similar, como ocorre entre os opositores da redução".
São argumentos fortes, sem dúvida. Penso, porém, que eles não explicam o reduzido destaque dado às ações dos familiares (missa de domingo passado e anúncio de passeata ao longo da semana) e a ênfase inferior na divulgação das (poucas) opiniões "de expressão" favoráveis à redução da maioridade em comparação com as que são contra.
O debate prossegue. Acredito que o jornal contribuirá melhor para ele se propiciar mais visibilidade aos diferentes pontos de vista, inclusive àqueles que divergem do seu.



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