São Paulo, domingo, 24 de janeiro de 2010

Próximo Texto | Índice

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

ombudsman@uol.com.br

Não ir de notícia a esquecimento


É até bom que haja muito a ser feito porque o maior erro será abandonar o assunto quando o impacto passar


Caio Guatelli - 14.jan.10/Folha Imagem
Militares brasileiros socorrem vítimas em instalação hospitalar improvisada

A COBERTURA DO terremoto no Haiti comprova o que o senso comum e a pesquisa científica indicam: gerar informação nova custa muito dinheiro, exige estrutura profissional experiente, não se faz na base de palpite e improviso, que é só o que se exige para postar opiniões na internet.
As chamadas redes sociais também demonstram nessa tragédia onde elas podem ser mais eficientes e relevantes: no esforço para mobilizar pessoas e levantar recursos.
O Projeto para a Excelência em Jornalismo, mantido nos EUA pelo Pew Research Center, divulgou nesta semana relatório sobre como Facebook, Twitter e blogs têm sido fundamentais para arrecadar milhões de dólares para entidades que ajudam vítimas em Porto Príncipe. A mesma organização tornou públicos no dia 11 resultados de pesquisa feita na cidade de Baltimore, segundo a qual 95% das informações novas em todo o ambiente da mídia local se originam nos jornais diários (principalmente) e nas emissoras de rádio e TV.
Ou seja, sem a velha mídia, blogs e seus sucedâneos não teriam muito do que tratar. O que mais eles fazem é reverberar o que os veículos tradicionais produzem. O caso do Haiti é muito sintomático. Quem é capaz de deslocar em 24 horas, como este jornal, quatro repórteres para um país em ruínas, em que a simples tentativa de desembarcar comporta riscos e custos imensos?
Desde quarta retrasada, a Folha tem mantido quatro pessoas lá. E elas têm feito um trabalho de alta qualidade nas circunstâncias mais adversas que se possa conceber.
Diante da imensidão das dificuldades e do preço pessoal que pagam (em desgaste físico, psicológico, emocional), impressiona como são poucas e pequenas as falhas perceptíveis em seu trabalho.
A edição tem valorizado os textos que os jornalistas no campo fazem, e as fotos, de excepcional beleza, como a que ilustra esta página e esteve na capa do jornal do dia 15.
Mas tem deixado a desejar, em minha avaliação, no que diz respeito ao aprofundamento das informações que eles geram. A esta altura, há dois temas que parecem centrais: a capacidade do Estado haitiano para reconstruir o país e qual deve ser o papel do Brasil ali em função de seu interesse nacional.
Têm faltado boas entrevistas, artigos, análises, interpretações para o leitor formar seus juízos de valor.
Ainda há tempo para recuperar esse terreno, e é até bom que haja muito a ser feito porque o maior erro que o jornalismo poderá cometer nesta situação será abandonar o assunto quando o impacto da tragédia passar.
"O Haiti não deve ser notícia hoje e esquecimento amanhã", como alertou o grande escritor Carlos Fuentes em artigo para "El País" nesta semana.

PARA LER
"Os Farsantes", de Graham Greene, tradução de Ana Maria Capovilla, ed. Globo, 2003 (a partir de R$ 34,27)

PARA VER
"O Dia em que o Brasil Esteve Aqui", de Caíto Ortiz e João Dornelas (disponível para locação)


Próximo Texto: Um jornalismo tão previsível como a chuva
Índice


Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Carlos Eduardo Lins da Silva/ombudsman, ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue 0800 0159000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.