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OMBUDSMAN
Dia dos anônimos
RENATA LO PRETE
Duas pessoas chamaram minha atenção para uma peculiaridade da Folha de segunda-feira passada: foi uma edição feita
de anônimos.
Nesse dia, duas das histórias
de maior impacto na Primeira
Página possuíam em comum a
característica de ter sido construídas a partir de personagens
que o jornal considerou apropriado não identificar.
A manchete reunia duas reportagens sobre violência policial. Na primeira, um PM de
São Paulo afirmava ter cumprido, em três ocasiões,
ordem de matar suspeitos feridos a caminho do hospital.
Na outra, um investigador de delegacia
em Belém relatava
sessões de tortura
usadas para obter
confissões e castigar
presos.
Um pouco abaixo
na mesma capa,
uma chamada destacava o caso de um
adolescente homossexual ameaçado de
expulsão em um colégio paulistano.
Os depoimentos
dos dois policiais foram gravados com o
consentimento dos
mesmos.
A história do Folhateen o jornal descobriu em carta enviada pelo próprio
garoto ao caderno.
A partir dela foram
entrevistados o personagem principal,
outros alunos e o diretor.
Este reconhecia que os pais de
Paulo haviam recebido pedido
para retirá-lo da escola no ano
que vem. Dizia que a medida visa proteger Marcelo, por quem
Paulo se declara apaixonado,
da gozação de colegas.
Não havia nomes nas entrevistas com os policiais. Os que
mencionei acima, usados no relato do Folhateen, são fictícios.
Nas duas situações, foi explicado que o anonimato teve por
objetivo preservar os envolvidos, seja de constrangimento,
seja de coisa mais séria.
Na quarta-feira, em carta publicada no "Painel do Leitor",
um major da PM paulista acusou a reportagem com o membro da corporação de ferir a
"ética do jornalismo", por não
oferecer possibilidade de "verificar a credibilidade da fonte
nem tampouco a veracidade
dos fatos".
Em resposta, a Folha afirmou
que havia feito as checagens necessárias para se certificar da
consistência do depoimento. E
defendeu a publicação como de
interesse público e da própria
corporação, pois os desdobramentos podem ajudá-la a livrar-se de maus policiais.
A argumentação do jornal é
procedente. Há casos de relevância noticiosa que só o anonimato permite trazer à tona sem
pôr em risco a segurança, física
ou emocional, das fontes.
Embora de natureza diferente
-uma mais institucional, a
outra ligada a questões de comportamento-, as duas histórias de segunda-feira se enquadram nessa definição.
Abro parênteses para dizer
que a série de reportagens sobre
violência policial, iniciada há 15
dias, mostra disposição da Folha para abordar um assunto
que atrai pouca simpatia. Para
muitos leitores, investigar crimes da polícia é o mesmo que
"defender bandido". O jornal
merece crédito se, apesar disso,
persevera em uma apuração
que julga importante.
De volta ao caso da escola, é
certo que poderia ter sido discutido em maior profundidade. A
reportagem não chega a explicar qual é a posição dos pais de
Paulo, nem a questioná-lo sobre
o assédio, segundo ele mesmo
sem trégua, a Marcelo, que tem
namorada. O jornal se ateve à
denúncia do preconceito.
Ainda assim, não há dúvida
de que houve sensibilidade para
enxergar na carta uma grande
história, o que pode ser medido
não apenas pelo volume, mas
pela diversidade de reações nas
mensagens à Redação e à ombudsman.
O importante, na questão dos
personagens não identificados,
é ter critério para reservar o recurso a episódios excepcionais, e
cuidado extremo para garantir
de fato o anonimato pretendido.
Nos casos relatados, critério
houve. Mas, na reportagem do
Folhateen, o cuidado não foi o
bastante. Alguns leitores encontraram informação suficiente
para identificar a escola. Quando essas coisas acontecem, boas
intenções não são suficientes
para eliminar o dano potencial
aos envolvidos.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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