São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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Megapromoção

O assunto está nos jornais desde maio passado. Na Folha, foram sete as reportagens sobre a pirâmide de 108 andares que o empresário Mario Garnero, associado a um fundo internacional de investimentos imobiliários, pretende construir no centro de São Paulo.
Das sete, apenas uma abriu espaço para a avaliação de arquitetos e urbanistas que fazem restrições à obra.
Das sete, nenhuma assumiu mais claramente sua defesa do que a publicada no domingo passado sob o título "Projeto do megaprédio chega à Câmara".
Ocupando página inteira, a reportagem se alimentava de uma única fonte: o próprio Garnero. Alternava a palavra do presidente do grupo Brasilinvest e uma profusão de números sobre o edifício "mais alto do mundo" (custo, serviços que promete oferecer, quantos empregos "vai" gerar etc.)
O engajamento do texto não poderia ser maior. "Por acreditar na rápida aprovação do projeto, Garnero prevê o lançamento da pedra fundamental para 25 de janeiro de 2000", relatava a Folha.
"Segundo ele, os vereadores "não deixarão essa oportunidade escapar das mãos de São Paulo'" (de fato, os vereadores não são de deixar escapar oportunidades, ainda que não exatamente para a cidade).
No pé da página, o jornal reconhecia que o Maharishi São Paulo Tower "divide opiniões". O embrião pluralista era abortado no parágrafo seguinte, que passava a enumerar "apoios importantes", como os de Oscar Niemeyer e da associação Viva Centro.
Em seguida, Garnero abria fogo contra o "nacionalismo tupiniquim" dos que se opõem à construção do complexo. Um leitor perguntou à ombudsman: "Será que a Folha não poderia ao menos citar os argumentos dos críticos?". É essa a deficiência da cobertura que o jornal vem fazendo.
Em artigo na revista "Carta Capital", Nicolau Sevcenko escreveu que a obra, ao devastar algumas dezenas de quarteirões da região próxima ao Palácio das Indústrias, atingirá "o oposto do que se pretende".
Segundo o historiador, o prédio "foi oferecido a outras praças, e recusado por sua óbvia natureza agressiva a qualquer estrutura urbana".
Na quarta-feira passada, a rádio CBN promoveu seu segundo debate sobre o assunto. Ali foram ouvidas avaliações semelhantes à de Sevcenko e outras de pessoas que enxergam no empreendimento potencial para recuperar uma área deteriorada.
Enquanto isso, a reportagem da Folha tratou o Maharishi São Paulo Tower como ponto pacífico. Seu conteúdo é semelhante ao do informe publicitário que vem sendo apresentado por Garnero no rádio.
O jornal está devendo informação de qualidade e diversidade de opiniões, instrumentos para que o leitor possa decidir o que pensa da iniciativa.
A distância entre o que a Folha ofereceu até agora e o espírito crítico defendido em seu projeto editorial é tão grande quanto a que separa o chão do topo da pirâmide de Garnero.


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