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Jornalismo febril
Não cabe ao jornalismo sabujar
autoridades, mas não é seu papel alarmar; o tom predominante foi o de escalada
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Se crianças começam a assuntar sobre a vacinação contra a febre amarela, é sinal de
que o temor da doença -e da
injeção- se disseminou.
Não é para menos: no princípio do ano, parcela expressiva do jornalismo sugeriu que o
mal ameaça o país. A Folha
não ficou de fora. Como se vê
ao lado, do dia 8 até a quinta-feira passada o assunto ganhou espaço na primeira página, 14 presenças em 17 dias.
Há mesmo interesse público em saber que houve contaminação em áreas rurais. A
morte em decorrência de picada de mosquito na floresta é
tão trágica como a de alguém
infectado nas cidades.
Acontece que desde 1942
não se conhece no Brasil
transmissão de febre amarela
em reduto urbano. A informação foi veiculada, mas o tom
predominante, mostram os títulos da capa, foi o de escalada.
Sob uma manchete, o jornal
relativizou a opinião do ministro da Saúde: "No dia em que o
número de notificações de casos suspeitos de febre amarela
no país subiu de 15 para 24,
(...) José Gomes Temporão foi
à TV fazer um pronunciamento (...) para dizer que não há
risco de epidemia".
Não cabe ao jornalismo sabujar autoridades, mas não é
seu papel alarmar. Quando
consultou quem entende, a
Folha prestou bons serviços.
Na contramão de leigos que
proclamavam a urgência de
imunização universal, infectologistas a condenaram.
Até a quinta, contavam-se
dez mortos por febre amarela
silvestre, desde 30 de dezembro. Todos a teriam contraído
na mata de Goiás.
O exagero da Folha em
2008 contrasta com outro, o
de 2001, quando os 22 óbitos
se concentraram no primeiro
trimestre. Em nenhum dia daquele ano a primeira página se
referiu à moléstia.
Em março, notinha de rodapé com oito linhas noticiou:
"Morre a 15ª vítima da febre
amarela". Outra nota anunciara semanas antes as 39 mortes
do ano anterior (mais uma se
somaria à estatística).
Os registros não trouxeram
a opinião do então ministro da
Saúde, José Serra. Em 2000,
nenhum título da capa falou
em morte pela doença.
A Redação discorda: "Os números dos anos recentes justificam a cobertura que a Folha
vem dando à febre amarela.
Em 2004 e 2005, houve três
mortes confirmadas em cada
ano; em 2006, foram duas
mortes; em 2007, cinco".
"Em 2008, apenas no primeiro mês do ano, já há dez
mortes confirmadas (uma delas ocorrida em 30 de dezembro, mas só confirmada agora). Acresce que a Folha tem dado amplo espaço a autoridades e especialistas, com diferentes visões sobre a dimensão do problema. E a única manchete relativa ao tema
tratou do pronunciamento do
ministro da Saúde em que ele
procurava tranqüilizar a população."
Não entendi por que os números de 2000 e 2001 não
"justificaram" destaque. Sobre isso, minhas perguntas
não mereceram respostas.
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