São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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Opinião e jornalismo


O jornal precisava neste momento de mais textos analíticos para ajudar o leitor a entender a conjuntura eleitoral

TRÊS TEXTOS PUBLICADOS pela Folha nesta semana recrudesceram as reclamações de leitores que consideram que o jornal está sendo parcial e tem feito uma cobertura eleitoral anti-Lula e anti-PT: o editorial "Favoritismo inercial" (24/ 8), a coluna de Otavio Frias Filho, diretor de Redação, "Anistia para Lula", no mesmo dia, e a série de reportagens iniciada na quarta-feira com o título "Polícia apura se há elo entre PCC e petistas".
Vários leitores que escreveram se disseram militantes petistas, o que não desqualifica a queixa. A própria Folha publicou, no "Painel do Leitor" de sexta-feira, três cartas com críticas ao texto de Frias Filho e um elogio. O trecho que mais incomodou foi o que defende que, confirmada a eleição de Lula no primeiro turno, "a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição".
O editorial e a coluna do diretor são textos de opinião. Um dos papéis dos jornais é instigar idéias e abrigar polêmicas. A opinião é livre, cada um tem a sua, e não cabe ao ombudsman concordar ou discordar. Cabe, no entanto, avaliar dois aspectos correlatos: se opiniões contrárias estão tendo espaço no jornal para se manifestar (pluralismo) e se a opinião da empresa está contaminando o espaço da notícia (isenção e apartidarismo).
A coluna de Frias Filho é uma das seis editadas desde o dia 14 para "acompanhar e debater" a eleição. Os colunistas escalados têm perfis distintos. Não se pode dizer que o filósofo Marcos Nobre, que escreve às quartas, tenha a mesma opinião de Frias Filho. Em sua primeira coluna, "As caras dos conservadores" (16/8), escreveu que "o conservadorismo brasileiro (...) se espalhou pelas páginas dos jornais, das revistas, da internet".
Na minha avaliação, o jornal precisava neste momento mais de análises para entender a conjuntura eleitoral e seus desdobramentos do que de opiniões, que já têm espaço garantido nas páginas A2 e A3. Mas, é apenas uma opinião.
As críticas que faço à cobertura jornalística são anteriores aos artigos desta semana. Já apontei vários casos em que considerei que o jornal perdeu o equilíbrio. Isso não significa uma objeção ao jornalismo crítico praticado pela Folha. Pelo contrário. O que reclamo em muitas ocasiões é de este princípio não estar sendo amplamente aplicado.
As informações publicadas até sexta-feira sobre o envolvimento do PCC com o PT me pareceram nebulosas, inconsistentes e contraditórias. Se há um inquérito policial, é evidente que o jornal tem de noticiar, é um fato público. A questão é como fazê-lo. No ponto em que as investigações (não) estão, pareceram-me precipitados o destaque e o enfoque dados na Primeira Página e internamente.
É um caso típico de noticiário policial misturado com política. O jornal não havia conseguido ainda questionar as falhas de investigação da Secretaria de Segurança, que diz ter informações de 2004 e gravações de criminosos de maio, mas até agora não apresentou nenhuma prova. A Folha também não havia conseguido levantar os bastidores políticos que cercam o caso.
Não faltam exemplos de denúncias servidas para a manipulação política, como o durante o seqüestro do empresário Abílio Diniz, em 1989, que envolvia o PT, como o falso Dossiê Cayman, que atingia o PSDB, e, mais recentemente, a lista de Furnas, que também atingia o PSDB e até agora parece ser uma fraude.


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