São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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OMBUDSMAN

Tapando o sol

BERNARDO AJZENBERG

O aquecimento da disputa eleitoral e o comportamento da imprensa em relação a ele durante a semana obrigam a uma retomada do assunto.
O candidato do PT lançou oficialmente seu programa de governo na terça-feira. Na quarta, o presidenciável do PSDB reuniu-se com 15 governadores de Estado. O do PSB acenou com uma inflexão pró-evangélica em sua estratégia de caça aos votos.
O principal fenômeno dos últimos dias, porém, chamou-se Ciro Gomes, do PPS.
Foi em torno de sua ascensão nas pesquisas de intenção de voto -entre outros motivos- que o mercado financeiro se agitou, os chefes de campanha chacoalharam as cabeças, os empresários tiveram aumentada sua curiosidade sobre o candidato e os jornais procuraram, cada um a seu modo, encarar o "furacão".
O "Estado de S.Paulo", que não esconde sua preferência por José Serra, cunhou em manchete, na sexta-feira, o termo sintético que faltava para expressar a situação: "Dólar rompe a barreira dos R$ 3 com ajuda do efeito Ciro".
O "efeito Ciro" se expressara, segundo o jornal, nos rumores que correram as casas de câmbio e as salas de operadores do mercado sobre a pesquisa Ibope que seria divulgada na noite de quinta-feira no "Jornal Nacional" com resultado positivo, mais uma vez, para o candidato da Frente Trabalhista.
Nessa mesma sexta, logo abaixo da manchete, o "Estado" cravava o título "Ciro vence Lula no segundo turno, mostra Ibope".
A pesquisa também recebeu um título forte na capa do jornal "O Globo" ("Ibope: Ciro venceria Lula no segundo turno") e no "Jornal do Brasil" ("Ciro vence Lula no 2º turno").
Esse levantamento, para rememorar, aponta uma continuidade do crescimento de Ciro, um inédito cenário no qual ele bate Lula num eventual 2º turno e uma nova queda de Serra, que o coloca em empate técnico, no terceiro lugar, com Anthony Garotinho.
Pois bem: o único dos chamados grandes jornais do país que não publicou na capa os dados dessa pesquisa foi a Folha, repetindo praticamente a posição adotada na semana retrasada, quando Ciro ultrapassou Serra pela primeira vez -fato que abordei no último domingo.

Mudança
Até as eleições de 2000, o jornal se limitava a publicar as pesquisas de seu instituto, o Datafolha. Desta vez, porém, decidiu noticiar, também, outros levantamentos, com ênfase para os do Ibope e do Vox Populi.
Há pelo menos um motivo simples para a mudança: reduziu-se drasticamente a quantidade de levantamentos do Datafolha. Para dar uma idéia, só em julho de 98 o instituto produzira três pesquisas nacionais; neste ano, a última, já defasada -Serra com 20%, Ciro com 18%-, saiu na Folha dia 7 de julho.
A pergunta é: se o jornal decidiu publicar outras pesquisas -e deve fazê-lo inclusive criticamente, quando for preciso, como ocorreu com a reportagem de terça-feira passada sobre métodos na enquete do Vox Populi-, por que não tratá-las devidamente, com o destaque que merecem?
No caso em pauta (ascensão de Ciro), formulo algumas hipóteses:
a) Acima do interesse do leitor estaria, ainda, o interesse corporativo da empresa, que é dona do Datafolha;
b) Os outros levantamentos não são confiáveis;
c) A subida de Ciro e a queda de Serra não são relevantes a ponto de seus dados figurarem na capa do jornal;
d) A Folha "encolheu" os resultados por causa de uma suposta opção política anti-Ciro em sua linha editorial.
É fácil descartar os itens "b" e "c": se os outros institutos não tivessem um mínimo de credibilidade, nada sobre seus números deveria ser publicado, e os colunistas da Folha, bem como as reportagens do jornal, não deveriam basear seus textos, como fazem, nesses dados (já que os do Datafolha, infelizmente, estão amanhecidos).
Sobre a relevância noticiosa, basta ver o que ocorre no mercado, nos gabinetes das empresas e nos bastidores das campanhas para detectá-la.
Quanto aos itens "a" ("defesa" do Datafolha) e "d" (postura anti-Ciro), sendo curto e grosso: simplesmente não batem com a tradição do jornal; isso, para não dizer que o histórico de credibilidade do Datafolha claramente dispensa tal "proteção".
Ou seja, de duas uma: ou a Folha decidiu, nas últimas edições, diante do "furacão Ciro", deixar de lado seus princípios de privilégio absoluto para a notícia, o pluralismo e a crítica, ou tomou decisões editoriais ao sabor de impulsos jornalisticamente menores e, nesse sentido, insustentáveis ante seus leitores.



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