São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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OMBUDSMAN

Perdidos no zôo

BERNARDO AJZENBERG

Seria um erro questionar a primazia institucional e a prioridade jornalística de um caso como o do ex-assessor do Planalto Waldomiro Diniz, suas implicações e consequências.
Ao menos nas últimas semanas, é esse o tema a exigir e merecer mais espaço e maior investimento na apuração noticiosa.
A morte de quase sessenta animais por envenenamento ao longo de um mês no zoológico de São Paulo lançou para a mídia, porém, um outro desafio.
Pois, se repórteres de política estão -infelizmente- habituados a investigar corrupção e jogo de poder, conhecendo disso ao menos o início do "caminho das pedras", o mesmo não ocorre ante episódios inusitados como a morte em série de porcos-espinhos, dromedários, elefantes, chimpanzés e outras espécies.
Uma leitura da cobertura da mídia de 6/2, quando as TVs divulgaram pela primeira vez a matança, até a última sexta revela que ela se dedicou ao assunto quase cotidianamente.
No entanto, com raríssimas exceções, o noticiário limitou-se a reproduzir informações ou declarações de fontes oficiais ou de especialistas: polícia, Ministério Público, direção do zôo, toxicologistas, biólogos, políticos, autoridades, veterinários, funcionários, visitantes, peritos.
Sem esse conjunto de referências, é óbvio, não havia como dar conta minimamente dos fatos nem das hipóteses aventadas para chegar à raiz do "mistério". Mas isso é o elementar.
Onde esteve a investigação jornalística independente, reveladora, capaz de antecipar fatos ou tendências, expor contradições, trazer elementos novos?
Passado mais de um mês desde as primeiras mortes, ela não apareceu. Daí a indesejável homogeneidade, uma sensação de quase indiferenciação entre as notícias publicadas pelos diversos veículos de comunicação sobre o andamento do caso.
Registre-se que, na sexta, citando um diretor do parque, a Folha revelou algo importante, uma pista diferente: a grande quantidade (40) de porcos-espinhos no grupo de bichos envenenados poderia estar relacionada a um leilão de animais marcado para acontecer no próximo mês, sendo fruto, assim, da ação deliberada de um grupo com interesses específicos em prejudicar o zoológico. A conferir.
No mais, como costuma ocorrer em casos policiais complexos, vemo-nos perdidos, atarantados, comendo notícias da mão da polícia, de promotores e de especialistas, sem que se evidencie nenhum moto próprio de investigação por parte da mídia, ainda que dentro de seus limites.
Tal comportamento, quase passivo, não condiz com um princípio básico do jornalismo: notícia decisiva não cai do céu; redunda, ao contrário, de abrir caminhos e avançar por eles até tocar na versão mais próxima possível da verdade.
Se isso vale de um modo geral, que dirá num caso tão misterioso como o do zôo...



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