São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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Salve a cachaça

Na última quinta-feira, a Folha Equilíbrio publicou uma reportagem de duas páginas que pede reflexão. Sob o título "Cachaça ganha status de bebida para ser degustada", o texto revelava como a ação de produtores, exportadores e consumidores desse produto, além do governo, tem alterado a imagem da bebida nos últimos anos, elevando-a de mercadoria popular para algo, digamos, mais refinado.
A reportagem incluía uma receita com uso de pinga, coordenadas para contatar entidades relacionadas ao seu mercado e uma letra de música popular que faz uma ode à cachaça.
O que merece reflexão, aqui, é o tom excessivamente promocional do conjunto, que o aproxima mais da publicidade subliminar do que do jornalismo.
No texto, a bebida é sucessivamente tratada como "a brasileiríssima cachaça", "produto com ótimo potencial para exportação", "a branquinha", "o aperitivo preferido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva", "produto brasileiro acima de qualquer suspeita e com um lastro histórico forte". Veja o quadro ao lado.
Como escrevi na crítica interna, nada disso é necessariamente inverdade, mas o conjunto de classificações soa como algo quase propagandístico.
Acrescentei, como exemplo: "Não nos é oferecida nenhuma informação técnica sobre o teor alcoólico dessa bebida, suas possíveis desvantagens em relação a outros destilados, quando se está bebendo em excesso ou não".
Faltou, enfim, uma abordagem jornalística crítica, que, sem deixar de mostrar a real tendência de glamourização da cachaça, fosse capaz de se distanciar da campanha agressiva de marketing que esse setor tem feito (e que, claro, é de seu absoluto direito fazer), com expressivo apoio do governo, para ganhar espaço no mercado, no Brasil e no exterior.
Fica evidente, aqui, como o jornal, mesmo com todo o seu real aparato de defesa contra manipulações, torna-se, vez por outra, vulnerável a elas.



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