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OMBUDSMAN
O dado e a informação
BERNARDO AJZENBERG
A manchete da Folha na
última segunda-feira foi:
"Doações às campanhas sobem
110% em 4 anos". A reportagem,
na página interna, trazia como
título: "Doação para campanha
do PT cresce 673%".
No conjunto, dizia o texto, todas as campanhas políticas reuniram neste ano, ao menos oficialmente, R$ 580 milhões, ante
R$ 276 milhões em 1998 -daí os
110% da manchete.
Só o PSDB, por exemplo, arrecadou R$ 105,8 milhões em 1998
e R$ 147,8 milhões agora -quer
dizer, uma subida de 40%.
São números fortes, expressivos, mas cabe refletir sobre seu
significado e sobre o tratamento
jornalístico dedicado a eles.
Ocorre que todas essas porcentagens e esses aumentos não levam em conta a inflação acumulada ao longo dos últimos
quatro anos. São, portanto, aumentos que os economistas chamam de nominais, e não reais.
O texto da reportagem deixa
isso claro. O que vale a pena
questionar, aqui, é, exatamente,
por que o jornal, em vez de apresentar esses dados apenas da forma direta e crua como fez, não
incluiu em seu raciocínio cálculos que levassem em conta também aquela inflação.
Isso permitiria à reportagem
incorporar outros ângulos -relevantes e até surpreendentes-
à sua apuração jornalística original e oferecer ao leitor, além de
uma dimensão mais exata do
significado dos números, a possibilidade de uma interpretação e
de uma reflexão mais amplas.
Exemplos
Descontando-se naqueles números a inflação do período
(76%, segundo a reportagem),
poder-se-ia constatar, por exemplo, que o aumento nominal de
110% do conjunto das campanhas representa, a rigor, uma subida real de apenas 19% -o que
não deixa de indicar possível reflexo da situação econômica restritiva que o país atravessa.
Que os 40% de aumento nominal das doações ao PSDB significam, na verdade, uma redução
real de 20,6% -algo que poderia expressar, no cofre da campanha, certo ceticismo quanto às
possibilidades de vitória da candidatura governista. Essa interpretação, aliás, poderia ser aplicada também ao PMDB e ao
PFL, que formaram durante a
maior parte da "era FHC" a sua
base de apoio.
Mais: que a única das "grandes" legendas a ter obtido aumento real foi a do PT (embora
sua arrecadação tenha crescido,
em termos reais, 339%, ante os
673% nominais) -o que quer
dizer, em síntese, que os doadores fizeram, ao menos durante a
corrida, uma "aposta certa".
Veja no quadro acima uma tabela que montei comparando os
aumentos reais e os nominais no
caso dos principais partidos e do
total das campanhas.
Essencial
A Sucursal de Brasília, responsável pela reportagem, argumenta que "custo de campanha
política não é um preço comum
da economia e está longe de seguir uma indexação, ainda que
informal".
"A valer o argumento do ombudsman", avalia a Sucursal,
"um anúncio do reajuste do preço dos combustíveis também deveria vir descontando a inflação.
O que vale para o consumidor é
o aumento nominal, que pesa no
bolso".
Concordo com o primeiro ponto. Mesmo assim, sem querer
igualar doação de campanha a
combustível, levo em conta, em
meu raciocínio, que a inflação,
sendo um elemento essencial da
vida econômica, atua decisivamente tanto no caixa dos eventuais doadores como nos custos
de uma campanha política.
Talvez o impacto do título e da
manchete diminuísse com a
aplicação do sugerido nesta coluna (19% de aumento, afinal,
impressionam bem menos do
que 110% de aumento).
Mas exibir ao leitor a diferença
entre aumento real e aumento
nominal, numa reportagem como essa, seria propiciar-lhe um
jornalismo mais elaborado.
Seria levar em conta, na prática, a idéia de que existe uma importante diferença entre, de um
lado, o dado "puro" (das estatísticas, dos computadores) e, do
outro, a informação (dado enriquecido, após sua apuração, pelo trabalho crítico do jornalista).
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