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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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Conflito de interesses

O e-mail de uma leitora, segunda-feira, advertiu o ombudsman a respeito de um fato grave.
A capa do Acontece (encarte da Ilustrada com roteiro de espetáculos) de 9 de março era ocupada por uma reportagem sobre a apresentação que o pianista Nelson Freire faria naquele dia no Teatro Municipal ao lado da Orquestra Sinfônica Municipal.
Ocorre que as notas musicais contidas no programa distribuído aos espectadores no teatro naquela mesma noite eram assinadas pelo próprio autor da reportagem da Folha.
Uma coincidência que fere um princípio básico do jornalismo: evitar o conflito de interesses.
Pode um jornalista, por mais íntegro que pessoalmente seja, por mais que tenha trajetória impecável ou a consciência limpa quanto à sua própria independência, pode esse profissional ser visto pelos leitores como isento ao escrever um texto sobre um evento do qual ele próprio, ainda que indiretamente, participa, inclusive de forma remunerada? É evidente que não.
Tal procedimento não põe em xeque a credibilidade do jornal, despertando dúvidas sobre a sua independência? Claro que sim.
Reproduzo a seguir trechos das considerações de Irineu Franco Perpetuo, autor da reportagem e das notas, sobre o ocorrido:
"Meu procedimento é praxe, não apenas entre a imprensa especializada em música erudita, mas no jornalismo cultural em geral (...) Nunca me foi pedido explicitamente pela Folha que não redigisse textos para programas de concertos, nem isso foi colocado como pré-condição para o meu trabalho (...)".
"Sou um jornalista free-lancer, sem quaisquer vínculos empregatícios. Prestei meus serviços para o Teatro Municipal com os mesmos compromissos com qualidade e independência que norteiam minha prestação de serviços à Folha desde 94; desta forma, rejeito energicamente qualquer acusação de cooptação (...). Creio que nesses casos, como em outros, a trajetória pessoal de cada um, e sua postura diante da verdade, é que determinam o que é ou não independência".
O editor da Ilustrada, Nelson de Sá, afirma o seguinte:
"A Ilustrada não foi informada pelo free-lancer Irineu Franco Perpetuo, que escreve há quase dez anos para o jornal, de que ele faria um texto encomendado -e pago- pela OSM. Do contrário, não teria permitido a duplicidade. O procedimento é eticamente inaceitável."
Se tal duplicidade -condenada pelo "Manual da Redação" da Folha- constitui uma "praxe" no jornalismo cultural, como afirma Perpetuo, a situação é ainda mais grave. Mas essa já é uma outra discussão.


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