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O fim da picada
No auge da crise da dengue na cidade do Rio de
Janeiro, a Folha pareceu adormecida; volta e
meia isso acontece -menos mal que acordou
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NA TERÇA retrasada, a
cidade do Rio somava
mais de mil casos diários de dengue, com a marca
de 28 óbitos no ano. No Estado, eram ao menos 33. Enquanto cientistas e governantes batiam boca em torno do reconhecimento da epidemia,
milhares de pessoas padeciam
nas filas dos hospitais.
No dia seguinte, a Folha não
publicou nem uma linha noticiosa a respeito. Nenhuma palavra, letra de rodapé. "É o que
se chama de insensibilidade
jornalística", comentei.
Semanas antes, o jornal enfileirara uma seqüência de
menções na primeira página
sobre mortes por febre amarela. O mal não é transmitido
em áreas urbanas desde a década de 1940. Em 2008, no
campo, matou menos que a
dengue só no Rio capital.
Na quinta, o segundo título
mais importante da capa:
"Dengue no Rio é culpa do
prefeito, diz ministro". Na
sexta, outra chamada: "Dengue é epidemia no Rio, admite
secretário". No sábado, uma
semana atrás, a manchete:
"Exército montará hospital no
Rio contra a dengue".
Três dias em que as informações mais destacadas foram declarações de autoridades (uma do ministro da Defesa). O jornal se manteve distante de prontos-socorros.
Nada de testemunho ocular
da dor dos enfermos. Ou de investigar o montante e a qualidade dos investimentos públicos na prevenção ao mosquito
e no combate à doença. Escrevi: "[É] a história oficial".
Na segunda passada, em nova evidência de ciclotimia, o
jornal não imprimiu sílaba de
notícia acerca da dengue. Nem
que fosse sobre a hipótese de o
surto atingir São Paulo. Na
crítica diária, protestei.
A partir da terça-feira, assistiu-se a uma notável virada da
Folha, a despeito de deficiências. Mérito: repórteres foram
à rua contar o caos. Demérito:
o maior jornal do país apurou
sem fotógrafo sua reportagem
principal, "Rio demora 3 h para atender casos de dengue".
Leu-se sobre a covardia contra
os doentes em um relato sem
imagens.
No mesmo dia, veiculou-se
estatística que sugere ausência de mocinhos na gestão da
saúde: nesta década, o recorde
de casos de dengue no Brasil
ocorreu em 2002, governo
Fernando Henrique Cardoso;
o de mortes, em 2007, sob
Luiz Inácio Lula da Silva.
Na quarta, um furo da Folha
quebrou o paradigma que
orientava as coberturas jornalísticas, que fiscalizavam exclusivamente os governos municipal e federal, mas poupavam o do Estado. "Rio [a rigor,
RJ, o Estado] cortou verbas
para combate à dengue".
No auge da crise, a Folha
pareceu adormecida -o fim
da picada. Volta e meia isso
acontece, possível conseqüência de acomodação com a liderança de mercado. Menos mal
que acordou. Anteontem, a
conta oficial de mortos no RJ
batia em 54, metade crianças.
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