São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2001

Próximo Texto | Índice

Notas da "nova guerra"




BERNARDO AJZENBERG

O quadro acima reúne as manchetes ou submanchetes das capas dos quatro principais jornais do país entre 17 e 28 de setembro sobre a "nova guerra americana".
É difícil e prematuro tirar conclusões cristalinas, mas ele permite algumas observações:
1) Afora as manchetes comuns a pelo menos três jornais, por trazerem as notícias indiscutivelmente mais importantes desses dias (por exemplo, em 17, 18 e 20 de setembro), a Folha foi o que mais títulos (seis) deu sem se referir a Bush ou aos EUA ou com tom passível de interpretação como antiamericano. Chama a atenção, por exemplo, a sequência de 21 a 24;
2) Nessa contabilidade, o "Estado" e o "Globo" empatam no sentido contrário, com duas manchetes com essa "tendência" e cinco expressando estar a iniciativa com a Casa Branca;
3) o "Jornal do Brasil", que vem procurando se diferenciar ao máximo dos concorrentes (nem sempre com sucesso), manteve tal política, fugindo nos dias19, 22, 25 e 27 da dicotomia EUA-Cabul.
Trata-se apenas dos títulos das capas, os quais nem sempre refletem o conjunto da cobertura de suas respectivas edições.
Mas eles apontam, de todo modo, possíveis tendências que exigirão cautela, discussão e calibragem, na busca da imparcialidade, ao longo da "nova guerra".
Em resumo: se a Folha não tomar cuidado, poderá ser interpretada como pró-Taleban ou anti-Bush, valendo o exato contrário para o "Estado" e o "Globo".
*
Vários leitores se manifestaram desde os primeiros dias contra o nome "Guerra na América", escolhido para os cadernos especiais do jornal. Que guerra?, perguntam alguns. Que América, se o Brasil também fica na América?, perguntam outros.
Discordei do "slogan" também, em minha crítica interna, desde a edição do dia 12. Mas o jornal optou por mantê-lo.
Admito que, uma vez adotado sob o impacto dos atentados, talvez não seja fácil trocá-lo. Em todo caso, conforme vários leitores que dele se queixam, trata-se de um aspecto "secundário".
*
O que surge, sim, como elemento problemático e polêmico, é a censura e as restrições impostas abertamente à imprensa nos EUA, com reflexo no mundo inteiro.
Como lembrou a coluna de Janio de Freitas na quinta-feira, a própria mídia, "compelida pelo clima que ela mesma propaga", parece adaptar-se a esse "blecaute".
Em texto do dia 23, o ombudsman do "Washington Post", Michael Getler, diz que "sempre houve uma tensão natural entre a imprensa e os militares em tempo de guerra". Ele admite, inclusive, que restrições aos jornalistas não deverão figurar entre as principais preocupações do público.
"A imprensa está prestes a enfrentar o seu mais severo e desconcertante teste em sua missão dentro de uma sociedade livre", conclui.
John Miller, repórter da rede "ABCNews" que entrevistou Bin Laden em 1998, respondeu da seguinte forma à pergunta que lhe fiz quinta-feira, pela internet, sobre os desafios da "nova guerra":
"Na 2a Guerra Mundial, a imprensa teve total acesso aos fronts, mas estava sob censura militar. No Vietnã, tinha acesso à guerra, sem censura. Na Guerra do Golfo, não tinha acesso e sofria ampla censura. O desafio, nesta guerra, será superar o atordoamento e conseguir acesso ao que será um terreno muito difícil de cobrir. Provavelmente, boa parte dessa cobertura será feita a muita distância". Veremos.


Próximo Texto: Atenção e vigilância
Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.