Ruy Castro

Obra indispensável

RIO DE JANEIRO - Em Praga, cidade que o ignorou em vida, Franz Kafka (1883-1924) é agora livraria (no mesmo Palácio Kinsky onde seu pai teve uma loja de artigos finos em 1912), biblioteca, museu, praça, café, camiseta, pôster, marcador de livro e até chocolate. Placas indicam onde ele morou, estudou, trabalhou, sofreu. Estive lá outro dia e vi: Kafka, com justiça, está em todas. Só faltam adaptar "A Metamorfose" para o Holiday on Ice.

Já seus dois grandes contemporâneos não tiveram essa sorte. Jaroslav Hasek (1883-1923), autor de "O Bravo Soldado Schveik", que está para a definição da nacionalidade tcheca como "Macunaíma", de Mario de Andrade, para a nossa, é nome de um trem que sai da estação de Hlavni Nadr. Há marionetes de Schveik (pronuncia-se xiveik) à venda nos quiosques, mas sua farda lembra mais um oficial russo que o pobre soldado que ele era. É o que há de Hasek à vista.

Quanto a Karel Capek (1890-1938), criador da palavra "robô" (na peça "R.U.R.", de 1920), já foi considerado o maior escritor tcheco (Kafka escrevia em alemão). Capek está em várias línguas nas livrarias, mas não se veem cartazes, displays ou objetos sobre ele. Nada à altura de sua importância até como patriota. Comprei num sebo uma primeira edição de sua fabulosa distopia "A Guerra das Salamandras", de 1936, por 10 euros (cerca de R$ 25). Não leio tcheco, e afagar esse livro é o mínimo que posso fazer por minha admiração por Capek.

Hasek e Capek não são mais tão famosos, mas estão em melhor situação do que Max Brod (1884-1968), o homem que legou Kafka à posteridade ao desobedecer ao amigo e se recusar a queimar seus originais inéditos, um deles o de "O Castelo". Brod era também escritor. Mas não vi vestígio de seus livros em Praga.

É como se sua única e indispensável obra, a justificar sua existência, fosse o próprio Kafka.